MORAL E ÉTICA! MUITO DISCURSO E POUCA PRÁTICA.
“É preciso valorizar os homens por aquilo que lhes é próprio: seu caráter moral. … O homem tem sempre a possibilidade de manter sua dignidade, ainda que através da morte.” (Epicteto)
Como um dos grandes líderes do pensamento estóico, Epicteto, a partir do caráter do homem, fala da ética. – (Ética é aquilo que vem do caráter, conforme a origem grega da palavra) – Em seu Encheiridion, ele estabelece uma regra de prudência: “Fixa, a partir de agora, um caráter e um padrão para ti mesmo, o qual guardarás quando estiveres só e quando estiveres com os outros homens.” (Manual de Epicteto, XXXIII – Encheiridion). Afinal, aos estóicos “é preciso ter sempre em mente os grandes exemplos de dignidade para nos guiarmos”. O estoicismo tem por fundamento três linhas de pensamento: heraclítico (Heráclito), socrático (Sócrates) e o cinismo. Sócrates é o exemplo mais próprio da confusão entre caráter moral e dignidade, tendo se suicidado para não perder sua dignidade pela traição a seus princípios e valores. Sêneca (outro estoico famoso) foi muito questionado por ter “traído” seus princípios ao defender Nero, quando este determinou a morte da própria mãe Agripina, junto ao Senado Romano. Dizia Aulo Gelio: “Se realizares um ato nobre com sofrimento, o sofrimento passa, mas a nobreza permanece. Se realizares um ato torpe com prazer, o prazer passa, mas a torpeza permanece.” Dignidade e caráter moral, para os estóicos, são parte da sabedoria: “Mas afinal, existe alguma coisa que seja indiscutivelmente um bem para o homem? Há, sim: a sabedoria (sophia). … A sabedoria, enfim, permitirá ao homem bem viver e bem morrer.” (Epicteto). Esse conceito também encontra eco em Platão (aluno de Sócrates e professor de Aristóteles), pois ele dividia em três partes a alma humana (parte racional para busca do conhecimento, parte irascível para produção de emoções, e parte apetitiva para busca do prazer). Para Platão, uma pessoa só pode tomar decisões corretas quando a parte racional da sua alma fala mais alto, ou seja, quando se vale do conhecimento e age de forma justa. Tem-se uma ética transcendente, pois não se baseia na realidade empírica do mundo, nas condutas humanas ou nas relações humanas, mas sim no mundo inteligível. Já em Aristóteles, a ética é imanente (realidade empírica do mundo, condutas humanas e na organização social), ou seja, a ética se encontra em agir segundo a virtude. “Nosso caráter é o resultado da nossa conduta.” (Aristóteles) Vê-se, portanto, que a questão é uma daquelas que, por ser ligada a essência da existência humana, se arrasta desde sempre pelo mundo filosófico. Descartes – o pai da filosofia moderna – tem sido acusado de não se ater ao tema, talvez por sua tripla divisão do saber (ciência, religião e filosofia) com maior dedicação à ciência. Todavia, ele faz uma divisão entre moral e ética, entendendo que a moral estaria representada na obediência às normas, tabus, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos recebidos, enquanto a ética, buscaria o bom modo de viver pelo pensamento humano (virtudes). A escola filosófica do niilismo representa a ruptura de valores, gerando, então, o denominado niilismo ético, o qual rejeita a possibilidade de valores absolutos morais ou éticos – a quem veja aqui um conceito já existente entre alguns sofistas gregos. Talvez isso justifique o apoio de Heidegger ao nazismo, posição que reviu posteriormente em um pronunciamento particular (“die größte Dummheit seines Lebens” – a maior estupidez de sua vida). Independente dessas escolas filosóficas, concordo com Pondé, para quem ética e moral são a mesma coisa, representada por palavras de origens distintas (grega e latina). Dizer que ética é uma conduta individual e moral um comportamento coletivo não traz qualquer luz ao assunto ou às questões pragmáticas que o envolvem. Tal distinção soaria mais como justificativa individual de omissão quando dentro e parte de uma sociedade moralmente questionável. Mesmo na ética, podemos lembrar o ferino humor de Oscar Wilde: “Chamamos de ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de caráter.” Luc Ferry trata o princípio moral como amor ao próximo mais generosidade, o que se adequa à sua visão de um segundo humanismo. Nesse mesmo sentido parece se posicionar Albert Schweitzer (“Um homem é verdadeiramente ético apenas quando obedece sua compulsão para ajudar toda a vida que ele é capaz de assistir, e evita ferir toda a coisa que vive.”). Entender que ética e moral são coisas distintas gera o que Martin Luther King chamou “relativismo ético” (“… E desde que todo mundo esteja fazendo isto, isto deve ser o certo. Uma espécie de interpretação numérica do que é o certo.”). Numa sociedade corrupta (moral vigente – comportamento da sociedade) se justificaria uma ética em que o caráter fosse criminoso (corromper e ser corrompido). Numa sociedade escravocrata (moral vigente – escravagismo) seria ético o tratamento de outro ser humano como coisa. Estaria ferida a teoria dos círculos concêntricos que distingue justiça, moralidade e legalidade. Princípios e valores humanos formam o caráter e ditam assim a ética e a moral. Sem esta visão, que se baseia no saber e nas virtudes, o assunto perde a possibilidade de adoção pragmática, ou seja, agir e cobrar a atuação ética e moral de forma individual e coletiva. Cortella diz que a ética é o conjunto de valores e princípios que usamos para responder a três grandes questões da vida: (1) quero?; (2) devo?; (3) posso? Ele está correto, e mais correto ao ver como “necessário cuidar da ética para não anestesiarmos a nossa consciência e começarmos a achar que tudo é normal”. Aqui voltamos ao risco de justificativa de omissão individual do integrante de uma sociedade imoral ou amoral. Na lição de Blaise Pascal, “a consciência é o melhor livro de moral e o que menos se consulta”. Não é a nossa consciência a visita ao nosso próprio caráter? Por nossa triste história política republicana, sempre vemos a questão da moral e da ética sobre esse prisma, mas, segundo Ernest Renan, “a revolução do futuro será o triunfo da moral sobre a política.” Todavia, o mau exemplo da falta de ética/moral na política envolve também a realidade social como um todo. A questão ética parece comprometida nas relações pessoais, corporativas, comerciais, … E a grande questão que se levanta: Como voltarmos a ter ética/moral plenas em nossa sociedade? Depende de cada um no agir, no cobrar e no denunciar. Se eu ajo corretamente, se eu não me relaciono com quem não age corretamente, e se eu denuncio quem não age corretamente, eu iniciei a minha parte em gerar uma sociedade ético-moral por agir de forma ética/moral. O mesmo posicionamento pela grande maioria mudará a sociedade. Ações simples? Não compro com comerciantes reconhecidamente inidôneos, não voto em candidatos a cargos eleitorais envolvidos em falcatruas, não corrompo o guarda quando multado, não ofereço gratificação ao funcionário para que faça seu trabalho, não furo fila, não jogo papel no chão, não assino o trabalho escolar em grupo sem nada ter feito nem apresento um plágio como trabalho meu, … Da mesma forma devem agir as empresas – que, sendo uma ficção jurídica, são conduzidas por pessoas – se abstendo de ver o lucro acima da responsabilidade social, de realizar propagandas enganosas, de ludibriar e prejudicar clientes e empregados, … Não adianta reclamar! Temos que educar nossos filhos para comportamentos éticos servindo-lhes como exemplos; devemos agir eticamente enquanto empreendedores e cidadãos. Parafraseando Einstein: “Não há nada que seja maior evidência de insanidade do que fazer a mesma coisa dia após dia e esperar resultados diferentes.” Estamos diante de uma nova época, por que não inovar, trazendo a ética como um modismo em nossas vidas individuais e coletivas? Seria isso um sinal positivo do novo normal!
Autor: Fernando Sá
Autores citados: Epicteto, Heráclito, Sócrates, Sêneca, Aulo Gelio, Platão, Aristóteles, Descartes, Heidegger, Pondé, Oscar Wilde, Luc Ferry, Albert Schweitzer, Martin Luther King, Cortella, Blaise Pascal, Ernest Renan, Einstein
Primeiramente quero parabenizar o autor do texto pela sua vasta busca literária sobre o assunto!
Eu entendo que ética e caráter devem caminhar juntas
Naturalmente, os valor E recebidos , influem decisivamente nesses valores
A busca pela justiça, pelo bem coletivo e pelo amor ao próximo, fundamentam nossas atitudes
Devemos evoluir , sem perder nossa essência!
Viver com a consciência tranquila, é A maior realização humana
Evoluir sem perder nossa ternura , é condição sine qua non , para sentirmos realizados
Gostei muito de ter aprendido as diferentes vertentes filosóficas de grandes homens da humanidade
Obrigada!
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