“Eu admiro aqueles que conseguem sorrir com os problemas, reunir forças na angústia e ganhar coragem na reflexão.” (Thomas Paine)
A angústia é um fenômeno psicológico e ôntico porque está relacionada ao modo de ser do ente no mundo, à sua condição existencial e aos seus afetos. Uma parte da psicologia entende a angústia como um conceito fundamental na clínica fenomenológica-existencial. Geralmente, se reportam seus defensores aos ensinamentos de Heidegger para quem a angústia seria o motor (disposição afetiva fundamental) da existência humana, pois ela teria o poder de revelar a verdade do Ser-aí. Como se vê, a psicologia recorre parcialmente à filosofia (mãe de todas as ciências) na questão da angústia. A angústia possui uma profunda ligação com o medo. Na maioria das vezes ela decorre dele. Ferry nos lembra que “é o medo que nos torna egoístas e nos paralisa, que nos impede de sorrir e de pensar de forma inteligente, com liberdade”. O medo nos angustia. Basicamente falávamos antigamente de três grandes medos: a pressão da sociedade, fobias e morte (situações irreversíveis). Ocorre que no mundo contemporâneo, vemos novas fobias sendo agregadas com frequência, principalmente pela ecologia política. A ecologia política trouxe uma visão do medo como elemento de sabedoria (princípio da precaução), diferentemente do que sempre se entendeu historicamente (o medo é um mal). Parece que seus defensores se aproximaram da obra de Jonas cujo entendimento do medo envolvia uma paixão positiva e útil. Ocorre que, aos meus olhos, somente a superação do medo permitirá que o homem possa amar o próximo e ser livre; pois haverá a convivência com a angústia original. O homem terá então serenidade, tal qual pregavam como essencial Platão, Schopenhauer e Nietzsche. Essa serenidade é o que permite a vida boa. Importante entender isso, pois há abordagens distintas na angústia patológica, de que trata a psicologia, e na psicologia metafísica, vinculada à filosofia. “Metafísica é o perguntar além do ente para recuperá-lo, enquanto tal e em sua totalidade, para a compreensão” (Heidegger) A psicanálise luta contra a angústia patológica, ou seja, o conflito entre o desejo e a moral, uma tentativa de reconciliar o indivíduo consigo próprio. Assim estaria revelada pela angústia a verdade do Ser-aí. Mas a angústia metafísica é de outra ordem. A cura da angústia patológica não implica solução para a angústia metafísica. Pois, sob a ótica filosófica da angústia metafisica, não podemos confundir angústia com temor. “Na angústia deparamos com o nada juntamente com o ente em sua totalidade” (Heidegger). Trata-se da angústia do indivíduo que se sente sem chão, suspenso, sem identificação com o vazio circundante. Não há relação direta do indivíduo (ente) com o medo (objeto) e sim seu confronto com o nada. Ou seja, o indivíduo não sabe o que o angustia; a ameaça é indeterminada, ao contrário da angústia oriunda de um medo específico. Seria essa angústia metafisica inerente ao ser? Seria ela a reflexão originária? Em caso positivo, como vencê-la? Por isso Heidegger vai dizer que “temor é angústia imprópria, entregue à decadência do ‘mundo’ e, como tal, angústia nela mesma velada”. A angústia original tem a ver com o indivíduo e a questão do seu sentido de ser (continuar-a-ser em direção a uma unidade integral, ou o fragmentar-se, ou aniquilar-se, permanecendo sempre como um não-ser) perante o nada. Essa é uma abordagem diferente daquela de Kierkegaard, que dá à angústia um caráter reflexivo de outra ordem, ou seja, uma dúvida ontológica vivida pelo indivíduo no instante da escolha (ou não), ou na incerteza que segue depois de tomada a decisão. “O indivíduo, na sua angústia de não ser culpado, mas de passar por sê-lo, torna-se culpado.” (Soren Kierkegaard) Importante, aqui, ressaltar a percepção de Winnicot ao aproximar, sem priorizar, a angústia metafisica, e a angústia patológica. A angústia muitas vezes caracteriza o que hoje permeia claramente a sociedade e denominamos, mais das vezes, por ansiedade. E, finalmente, não se pode negar que, se Heidegger tem papel primordial na reflexão sobre a questão metafísica, Jung confirma a questão psicológica demonstrando que o “monstro assustador” (angústia), que um dia necessariamente viveremos, é fator essencial de crescimento e evolução. “A vida acontece num equilíbrio entre a alegria e a dor.” (Carl Jung)
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Thomas Paine, Heidegger, Luc Ferry, Hans Jonas, Kierkegaard, Winnicot, Carl Jung