Três vezes por semana, Jorge se dirige à Igreja. Participa dos cultos, fazendo questão de demonstrar seu louvor e dedicação ao divino. Geralmente, em conversas sociais, demonstra seu conhecimento bíblico reproduzindo frases e trechos bíblicos. Também se vale do livro santo quando de seus julgamentos referentes a atos daqueles que entende como ímpios ou como irmãos. Para ele, essa dicotomia é muito clara e com reflexos próprios. Jorge se coloca, e se vê, como um modelo de cristão praticante. Mas, o mesmo Jorge, na Igreja, prefere não se sentar próximo a pretos – ainda que irmão na fé; como também não lhe agrada a presença deles como moradores em seu condomínio. Acha que isso representa uma decadência e desvalorização para sua propriedade. A questão ficou pior aos seus olhos, quando um casal homoafetivo se tornou seu vizinho. Justifica seus julgamentos preconceituosos por uma suposta reprovação bíblica a tais relacionamentos. Para Jorge, a humanidade inteira deve estar padronizada na forma que sua Igreja diz correta; uma interpretação inquestionável de um Jesus que parece pertencer só àquela Igreja. De forma alguma ele admite ou reconhece a identidade de cada indivíduo com aceitação e respeito do outro. Há muita religiosidade sem nem humanismo. De tradicional família de classe média suburbana, Jorge herdou um negócio de família iniciado pelo avô. Mas, ainda que qualquer cliente lhe traga ganhos, Jorge não se sente confortável ao atender, ou perceber na loja, clientes que não estejam dentro de um padrão que supõe biblicamente aceitável, seja por comportamento, vestimenta ou condição. O bom e cristão Jorge é um poço de preconceitos religiosamente justificados como reprovação a condutas distantes de Deus. Pode-se achar estranho que tais comportamentos sejam praticados em nome de um Cristo que pregou amor, misericórdia, justiça e perdão, mas, por sua proximidade com Cristo – já que frequentador assíduo da Igreja e repetidor voraz da literalidade dos textos bíblicos, Jorge se julga apto e coerente ao interiorizar, exprimir, expressar ou dividir tais preconceitos. Ele recita, com elevada impostação moral, inclusive os ensinamentos de seu líder na Igreja, ainda que suspeito em uma série de problemas financeiros e condutas sexuais criminalizadas, os quais Jorge considera falsidades levantadas por ímpios e invejosos. Ocorre que, na escalada de violência urbana, sua loja sofre um assalto, onde o resultado é a fuga de ladrões e clientes presentes, enquanto Jorge baleado no chão sangra, pedindo a seu Deus que receba sua alma. Mas, exatamente um negro acompanhado de seu namorado se mantem no local; ele se ajoelha, estanca o sangue que corre de Jorge, enquanto o companheiro solicita auxílio pelo celular. Jorge por ação daquele casal sobrevive. Seria essa uma lição para Jorge? Será que Jorge aprenderá algo sobre humanismo, respeito, diversidade, racismo, preconceito e radicalismo? Talvez sim! Talvez não! O tempo o dirá. O radicalismo cega pessoas como Jorge, lhes tira a capacidade de análise crítica, reflexão e ponderação. A soma de indivíduos conduzidos e não condutores de seus pensamentos e princípios morais é uma sociedade desumana, sem harmonia ou paz. Talvez Jorge, diante do episódio, perceba isso. Se não perceber, ele continuará sendo um elemento na cadeia de violência geral, da qual ele próprio foi vítima. Em um mundo como o nosso, geralmente recebemos o que geramos. Quem gera violência acaba vítima da violência, quem gera ódio termina odiado, e assim vai. Para quem crê em Deus, Ele criou o mundo para o amor, portanto, nunca estimularia o ódio.