“Nada mais impotente do que o orgulho dos insensatos.” (Ésquilo)
Existem situações ou problemas perante os quais nada podemos fazer. Tudo está fora do nosso alcance, então. Mas, por mais que essa seja a realidade, ou seja, que haja uma situação de impotência, por vezes nos sentimos culpados. Aquela impotência, que carrega em si grande dose de frustração e nos desmotiva ou desvaloriza, nos gera uma culpa indevida e descabida. Entendo que, apesar da sensação de impotência estar vinculada a situações em que faltou atitude à pessoa, não cabe culpa, e também não cabe vitimização. “Atitude é uma pequena coisa que faz uma grande diferença.” (Clarice Lispector) Se algo não pode ser evitável essa é uma circunstância da vida, tal qual se dá com o que dá errado independente de nossa vontade ou agir. A questão mais grave é como vencer essa sensação de impotência. Alguns diriam que o remédio estaria na mudança de foco da preocupação. Assim, se poderia pensar no que se aprendeu (entendimento) com a situação e como mudá-la (pensar o problema). Ou seja, são caminhos para redirecionamento da energia na busca de soluções. Mas, há aqueles outros que se amargurarão na vitimização ou culpa e ficarão estagnados no campo fértil das reclamações, vivendo de lamúrias. Já outros irão optar pela negação, com a mudança de foco para algo que não resolve o problema – que ainda terá reflexos, mas fingindo que nada há a resolver. A “diversão” sempre foi um dos caminhos para os optantes da negação. Aliás, Pascal já dizia que “Além de limitados somos também impotentes diante das misérias humanas como a morte e a ignorância, para fugir dessas impotências muitos escolhem o não pensar, ou seja, o divertimento”. Quantas vezes não sabemos de casos assim? Aquele amigo que foge de um problema onde se julga impotente de resolver e opta por diversões. Isso é típico no caso de pessoas que já não conseguem arcar com seus problemas financeiros e seguem em frente com mais gastos e principalmente gastos supérfluos. Nessas situações, a pessoa se recusa a fazer uso de seu entendimento, razão e capacidade de pensar. Kant, em sua obra, comenta que, nesse tipo de situações, o homem não sai de sua menoridade. Ele não ousa pensar por motivos de covardia e preguiça. Hoje, vemos isso com assustadora frequência nas redes sociais. Pessoas impotentes de mudar suas vidas criam existências paralelas no mundo virtual, se transmutando em avatares detentores do que desejam, mas do que não alcançam no mundo real. Lembre daquele amigo, cuja vida você sabe miserável, mas é um poço de felicidade nas redes. “O inferno é a incapacidade de sermos diferentes da criatura segundo a qual ordinariamente nos comportamos.” (Aldous Huxley) E isso explica claramente muito do crescimento do discurso de ódio nas redes sociais. Nietzsche lecionava que o “sentimento de ódio só pode nascer da impotência”. Ódio e impotência têm realmente muita coisa em comum. Também aqueles que se vitimização ou se culpam, além dos que buscam diversão, tendem a ser carcomidos por um crescente ódio que, em determinado momento, se faz maior e independente de sua motivação. Assim como impotência e ódio caminham juntos, o vitimismo é filho da impotência. E aqui, não podemos esquecer dos terceirizadores, ou seja, aqueles que terceirizam as culpas e responsabilidade. Sempre que algo dá errado ou advém um revês, o impotente encontra um terceiro culpado ou responsável. E, ainda neste caso, será gerado e alimentado o sentimento de ódio pelo escolhido como “pato”. “O homem superior atribui a culpa a si próprio; o homem comum, aos outros.” (Confúcio) Ou seja, aqui, o ódio oriundo da impotência se agrava pela inferioridade daquele que sequer consegue se culpar e necessita reverter ao outro qualquer responsabilidade, mesmo que inexistente. Não somos onipotentes, oniscientes ou onipresentes, como seria Deus. Essa perfeição, que justificaria para Pitágoras a aproximação Dele, ou que Voltaire indica como a necessidade de Sua criação, não nos pertence. Nem sempre poderemos agir ou resolver; seremos efetivamente impotentes. Mas não podemos deixar de dar nosso melhor, que também está em apreender com a situação e pensar em outro caminho para resolvê-la. Situações não resolvidas sempre estarão presentes, não importa se as negamos, se nos vitimizamos, se nos culpamos, ou se, ainda, responsabilizamos terceiros. A vida é mudança e não ocorre adequação à mudança sem atitude. Talvez sejamos impotentes a adoção de uma atitude. Nos cabe então buscar outra substitutiva.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Ésquilo, Clarice Lispector, Blaise Pascal, Kant, Aldous Huxley, Confúcio, Pitágoras, Voltaire
Foto: Stefano Corso (Flickr)