“O ciúme é o pior dos monstros criados pela imaginação.” (Calderón de la Barca)
Por que é tão difícil lidar com os ciúmes? Primeiro, temos que entender que se tratam de uma reação complexa, que aparece por razões variadas, e envolve vários tipos de relações: parentais, fraternas, amorosas, entre amigos, … Dentro dessa complexidade, os ciúmes são compostos de emoções (dor, raiva, tristeza, inveja, medo, depressão e humilhação), pensamentos (ressentimento, culpa, comparação com o rival, preocupação com a imagem, autocomiseração), reações físicas (violência, agressão verbal e física) e comportamentos (impulsividade, repente); não se trata de só um sentimento. Os gregos usavam um mesmo termo para ciúmes e inveja, sendo que os ciúmes poderiam ter um caráter positivo ou negativo. Me custa entender qualquer positividade nos ciúmes. Aliás, mais de uma vez, me cobraram a falta de não tê-los. Ciúmes não estão no meu dicionário e sempre me assustou como eles podem se transformar em algo doentio e destrutivo para o ciumento. François La Rochefoucauld vai nos ensinar que “nos ciúmes existe mais amor-próprio do que verdadeiro amor”. Mas quantas vezes não vemos que os ciúmes envolvem uma relação na qual o amor-próprio está comprometido ou prejudicado? Cesare Pavese acredita que os ciúmes são a prova da paixão. E Caio Fernando Abreu segue pelo mesmo caminho. Mas paixão não é amor. Paulo de Tarso, em Coríntios, diz que “o amor é paciente, é bondoso, o amor não arde em ciúmes”. Tendo a concordar com o último. Os ciúmes me trazem mais uma noção de possessividade, de controle proprietário, … Bob Marley disse que sentia ciúmes de tudo o que era dele, e de tudo o que achava que deveria sê-lo. Me parece que Moravia, ao falar dos ciúmes pelo amigo feliz pelo que alcançou, confunde ciúmes e inveja. Mas Rubem Alves acerta o tom ao explanar que “o ciúme é aquela dor que dá quando percebemos que a pessoa amada pode ser feliz sem a gente”. Ela é livre para amar além, não tenho sobre ela posse ou propriedade. “Tenho ciúmes em excesso, raiva em excesso, idiotice em excesso, alegria em excesso, tristeza em excesso. Amor em excesso… Eu gosto do muito, o pouco não me satisfaz.” (Tumblr) Só posso retornar à minha visão sobre possessividade. E acho que a insatisfação nem sequer envolve quantidade, mas algo característico do próprio ciumento – como se estivesse no seu DNA. E, por isso, é tão difícil lidar com os ciúmes, seja quem os tem como quem é objeto deles. Cenas de ciúmes sempre me constrangem. Existe geralmente uma exposição inadequada e prejudicial ao ambiente. No aspecto amoroso: se não confia, não esteja junto; caso se sinta desrespeitado, finde o relacionamento. Em outros relacionamentos, se não aceita ser mais um no convívio com o outro, busque terapia. Mas se os ciúmes me parecem absurdos, mais inaceitáveis são, em regra, as suas consequências. Cervantes dizia que “são sempre desatinadas as vinganças por ciúmes”. E, o pior, nenhum ataque de ciúmes gera solução à razão que a causou. “Ciúmes é um sentimento inútil e não torna ninguém fiel a você.” (Artur da Távola). Portanto, se não bastasse tudo o que foi comentado, os ciúmes são, sobretudo, inúteis. A literatura sempre se embebedou e navegou nos ciúmes, seja em personagens nacionais (Paulo Honório, Bentinho) ou estrangeiros (Otelo, Armand Duval), tendo, na maioria das vezes, a tragédia como destino. Ciúmes sempre trazem uma intensidade dramática e com isso sobram filmes, peças de teatro e músicas com tal tema. OK. Você acredita que ciúmes são normais e os seus são legítimos e inofensivos? Mas, devo
lembrar que, já em 1920, Freud os classificava em competitivo ou normal, projetado e delirante. Onde os seus se encaixam?
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: François La Rochefoucauld, Cesare Pavese, Caio Fernando Abreu, Paulo de Tarso, Bob Marley, Alberto Moravia, Tumblr, Miguel de Cervantes, Rubem Alves, Artur da Távola, FreudFoto: Zach Kowalczyk (Flickr)