A história da melancolia inclui todos nós. (Charles Bukowski)
Se você acha que melancolia é coisa moderna, se enganou. A melancolia já fora diagnosticada por Hipócrates como uma doença consequente da bílis negra – um dos quatro humores corporais. Em outras fases da História Humana, tal doença era considerada uma benção; um flagelo para desenvolvimento do espírito. Principalmente na Renascença, vamos nos deparar com essa visão, tanto que Michelangelo alardeava que sua alegria era a melancolia. Esse olhar sobre a doença parece absurdo, mas, também Victor Hugo se pronunciou no sentido de que “a melancolia é a felicidade de se ser triste”. Posteriormente, Freud irá se debruçar sobre a melancolia comparando-a ao luto. A melancolia é essa tristeza vaga, permanente e profunda, a partir de motivos morais ou físicos, que leva a pessoa tristonha a não desfrutar dos prazeres da vida. A patologia se caracteriza quando esse sentimento se perpetua dificultando ou inviabilizando o convívio social e a realização de atividades. Talvez o que mais assuste seja o fato da melancolia advir, muitas vezes, de forma inesperada e surpreendente. Eis que despropositadamente a melancolia chega e se instala. “No mesmo templo do deleite, a velada Melancolia tem o seu santuário.” (John Keats) Muitos escritores sofriam de melancolia, mas a reconheciam como algo quase normal ou necessário. Charles Bukowski disse certa vez: “Acostumei-me tanto à melancolia que a cumprimento como uma velha amiga.”. E o brasileiro Carlos Heitor Cony considerava que nostalgia e melancolia são tipos de saudade, a primeira daquilo que se viveu, enquanto a segunda daquilo que não se viveu. Parece que Clarice Lispector seguia pelo mesmo entendimento: “Às vezes melancolia sem causa escurecia-me o rosto, uma saudade morna e incompreensível de épocas nunca vividas me habitava.”. O melancólico se afunda na tristeza e na apatia, ao tempo em que o vitimizam a angústia e a solidão. Por incrível que pareça, esse será o fundo base utilizado por vários artistas na construção de suas obras. A carência que envolve a melancolia se torna o mote da vida desses artistas melancólicos, em um círculo vicioso. A melancolia é um transtorno psíquico; não se trata de um estado emocional de simples tristeza. Há o comprometimento do desempenho social. Apatia, isolamento e desânimo caracterizam o melancólico. Nossa fragilidade e vulnerabilidade a abalos emocionais contínuos indicam o risco do desenvolvimento de tal transtorno.Mas como podemos nos fortalecer e nos proteger do acometimento de tal transtorno? Tratar das emoções creio que seja o melhorcaminho. “Sem apego. Sem melancolia. Sem saudade. A ordem é desocupar lugares. Filtrar emoções.” (Caio Fernando Abreu) Contudo, não ouso dizer que as citadas fragilidades e vulnerabilidades ditam a melancolia como própria a seres inferiores. Na lição de Dostoievski, “os homens verdadeiramente grandes experimentam uma grande tristeza, acometidos de uma melancolia súbita.” As emoções podem trazer transtornos a todos, quando não tratadas no âmbito do autoconhecimento. E não esqueçam que “entre a felicidade e a melancolia não medeia espessura maior que a de uma lâmina de faca” (Virginia Woolf).
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Charles Bukowski, Michelangelo, Victor Hugo, Sigmund Freud, John Keats, Carlos Heitor Cony, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Fiodor Dostoievski, Virginia Woolf