Sou uma pessoa grata pelas oportunidades que tive, pelos sonhos que realizei, pelas histórias que vivi. Mesmo daquilo que não foi bom, eu me vali para tirar lições e aprender que felicidade é um fato momentâneo e não uma constante. Dentre minhas gratidões pela vida que tenho está a possibilidade de ter visitado maravilhosos museus pelo mundo. Fui a museus de arte e ciências, museus pessoais e de empresas. Mas não importa se nos Estados Unidos, Europa, América do Sul ou Ásia, algo sempre me chamou a atenção como amante do conhecimento e da evolução humana, mas que me constrangia enquanto brasileiro. Falo aqui das salas de novas aquisições. Em regra, a maioria dos grandes museus tem uma sala de apresentação das novas aquisições e isso significa mais que um museu vivo, mas instituições voltadas para a cultura, sabedoria e pertinente disseminação. E se o Museu é um patrimônio público, fica claro que tal intenção e preocupação com a cultura e a sabedoria é um foco ou uma orientação para o governo do respectivo país. No Brasil, temos excelentes museus, públicos e privados, mas não vemos as salas de novas aquisições. Podem até dizer que é um absurdo aquisições em um país onde existe fome, falta saneamento, saúde pública é precária e transporte público caótico. Tolice! Basta somar ao elenco de indignidades a despreocupação com a cultura e o saber. O Museu é uma forma de educação. Outro aspecto importante é quando comparamos a frequência aos museus brasileiros comparativamente aos grandes museus estrangeiros. Poderíamos voltar a falar da falta de novas obras, mas a questão aqui é bem mais profunda, pois a grande maioria das pessoas não têm a ideia de pertencimento aos museus. Elas tendem a achar que aquele é um local para visitas escolares ou intelectuais. Me lembro que o British Museum ficava aberto até tarde da noite e, a partir de certo horário, a entrada era gratuita. Os “picnics” na Museumplein em Amsterdam eram um chamamento das famílias para visitação aos museus que cercam a praça. Deleuze diz que “o fundamento do tempo é a memória”, e onde se preserva mais a memória do que em um museu? A memória comum traz um sentido de vínculo e união, que caracterizam parte do vínculo formador de uma nação. Então, museus não são interessantes a quem prega o sectarismo, o preconceito e o ódio. Mas, valho-me de outro pensador francês (Pierre Bourdieu) também para entender o tratamento dado a essas instituições e ao estímulo da população a conhecê-las, ou não, como um sinal de opção pelo caminho para redução das diferenças sociais. O sociólogo francês, ao tratar das classes sociais e da estratificação social, não se baseia somente em ativos econômicos, mas também em ativos intelectuais. A falta desses últimos ajuda a segregar a sociedade em classes, sendo fator importante para perpetuar essa segregação. E podermos verificar claramente tal fator no Brasil, onde “novos ricos”, são uma subcategoria suportável em uma classe que alcançaram, mas a qual não pertenciam originariamente. E o grande fator garantidor dessa segregação é a falta, muitas das vezes, da cultura e do saber (ativos intelectuais). São os denominados ricos inferiores. Atentem, então, que os atos contra a cultura e o saber não são frutos da desídia; eles são estratégicos. Talvez o maior, mais grave e impune ato, que demonstra o descaminho brasileiro quanto à cultura e à sabedoria, se consumou quando do incêndio do Museu Nacional, em 2018. Em um país sério, o Presidente da época teria renunciado e tido subalternos presos. Mas a perda daquele Museu representa um ganho para uma suposta elite, que deseja um país continuamente sem senso de nação, onde as pessoas, principalmente as mais humildes, continuem sem acesso à cultura e ao saber e introspectem a falta de pertencimento à cultura. Consequentemente, essa camada da população aceitará uma falsa condição justificadora de não serem dignos de melhora de vida e ascensão social. Mantém-se um “status quo”, ainda comparável ao Brasil Colônia, com novos cenários e vestimentas. A cada labareda de fogo no Museu se concretizava a aceitação ao tratamento indigno dado pelos governos ao povo brasileiro.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Cazuza, Gilles Deleuze, Pierre Bourdieu