“Mas há sempre um pouco de razão na loucura.” (Friedrich Nietzsche)
Aprendi muito cedo que o que separava os homens dos animais era a racionalidade. Esse é um corolário do qual o tempo me fez duvidar. E nestes dias, com guerras infames e governantes descontrolados moral e intelectualmente, o fundamento ainda mais se perde. Talvez certa estivesse Frida Kahlo, para quem não havia justificativa à supervalorização da racionalidade, afinal “os pássaros só são livres porque podem voar” e “a liberdade é, justamente, a incapacidade de se perceber as limitações”. Efetivamente, a razão exige sentimento, ou pelo menos humildade. “Não há nada no mundo que esteja melhor repartida do que a razão: todos estão convencidos de que a tem de sobra.” (René Descartes). Ainda que Aldo Novak preconize que “perder para a razão é sempre ganhar”, lembro das palavras de Gide de que “as coisas mais belas são ditadas pela loucura e escritas pela razão”. Mesmo os loucos não estão privados de toda a razão por todo o tempo. Aliás, Churchill disse que: “A maior lição da vida é a de que, às vezes, até os tolos têm razão.”. Na verdade, a ideia da suprema razão pode ser o encontro da irracionalidade. Como em tudo, há que se ter equilíbrio. Razão e emoção necessitam conviver. E o autocontrole não pode ser a supressão das emoções e sentimentos em favor da razão, sob pena de estabelecer-se a indiferença ou o desprezo. A ética exige inteligência emocional. Compreendo bem quando Anatole France se posiciona no sentido de que é preferível “sempre a loucura das paixões à sabedoria da indiferença”. O mais triste talvez seja o fato de que hoje, mais do que a racionalidade se aceite a loucura, ou melhor dizendo, a maldade. A razão econômica aceita a guerra, bem como a razão individualista aceita a tirania. Mas, se ambas (guerra e tirania) são maldade, no final, dão prova da loucura, pois quem as aceita por elas, direta ou indiretamente, serão imolados. Faça um exercício! Avalie quando ler ou ouvir determinadas informações se a razão não se tornou loucura. Ontem, um amigo dava um belo exemplo, quando expunha que determinada mulher “famosa” compareceu a uma festa trajando um vestido de meio milhão de reais. A razão talvez diga que ela, por ser rica, pode se dar a este luxo, mas há razão quando o seu mundo geográfico de inserção conhece muito mais a fome, o abandono, mazelas econômico-sociais? Não seria a razão virando loucura? A razão não está dosada pelo sentimento (empatia, humildade, …). Mas podem suscitar que devemos respeitar o desejo dela que se realiza com as posses dela. Ok! Todavia me vem aos ouvidos as palavras de Khalil Gibran de que “o desejo é a metade da vida; a indiferença a metade da morte”. E chegamos, então, ao ponto chave de que pode a razão superar a moral? A razão justifica o comportamento menos ético? No “gelo da indiferença ocultam-se as paixões” (Florbela Espanca), mas as paixões que eram concebidas pelos gregos como doenças. Me filio a José de Alencar para quem “só a ignorância aceita e a indiferença tolera o reinado da mediocridade”. Há algo mais atual? A ignorância está ditando hoje o discurso do ódio, a guerra, a negativa das liberdades e da democracia. Uma ignorância que se supõe racional, mas destemperada pela falta de sentimento. Uma ignorância que acredita que a racionalidade pode ser louca, amoral e desumana. E a questão final está em quanto apoiamos isso. Não basta o discurso de ser contra. Não podemos silenciar. Não podemos de qualquer forma valorizar tais comportamentos e justificá-los. Não importa se falamos da mulher e seu traje, de uma guerra infame ou da graça a um criminoso hediondo. A razão exige que digamos: “Não!”.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Frida Kahlo, René Descartes, Aldo Novak, Aldo Novak, André Gide, Winston Churchill, Anatole France, Khalil Gibran, Florbela Espanca, José de Alencar