“Quem ouve música, sente a sua solidão de repente povoada.” (Robert Browning)
A solidão talvez seja dos temas mais complexos que conheço. A sua ocorrência afeta diferentemente as pessoas, e daí vermos surgir tantos entendimentos diversos. Durante a pandemia e o necessário isolamento, vi diversas pessoas em crise pela condição de solidão. Eu, ao contrário, não me deparei com grandes problemas, recebendo, inclusive, alta por parte de minha psicoterapeuta. Meu comportamento seria inaceitável para Victor Hugo, segundo o qual “todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão”. Mas por que nós, seres normais, teríamos que concordar sobre a questão? Se Aristóteles achava que “Quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus”, Schopenhauer dizia que “a solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais”. Sempre que ouço a palavra solidão me lembro de Amyr Klynk. Algumas pessoas não conseguiram ler o livro que narra sua aventura, por ficarem deveras ansiosas. Mas Amyr nos ensina que “quem tem um amigo, mesmo que um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá de solidão; poderá morrer de saudades, mas não estará só”. Na minha vida sempre convivi com a solidão viajando muito a trabalho, na maioria das vezes só. Me habituei a solidão seja internamente ou em viagens pelo mundo. Tenho uma grande facilidade de ir só a teatro, cinema, boate, … Não ouso parafrasear Clarice Lispector ao dizer: “minha força está na solidão”. Tenho uma grande dificuldade de ir a restaurantes sozinho. Acredito que pela minha criação onde o encontro familiar à mesa no jantar era deveras importante. Aquele era um momento santo, onde conversávamos sobre todos os assuntos. A solidão por vezes, e principalmente se acompanhada de um “whisky cawboy”, pode ser uma boa solução para dor de cotovelo. Aliás, nada de novo. Paul Valéry profetizava: Há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade.”. Não deixa de ser verdade. Tendo a crer que a solidão não é necessariamente boa ou ruim. Tudo depende da convivência com ela. Schopenhauer falava do nosso dilema sobre porcos-espinhos, o que inclusive levou Leandro Karnal a escrever um livro sobre como encarar a solidão. Entendo perfeitamente quando ele fala que: “solidão é distinta do simples fato de estar sem alguém por perto”, afinal estar acompanhado não é garantia de eliminar a solidão. A Bíblia nos fortaleceu a ideia de que devemos ser duplos desde o Gênesis. Na verdade, aqui mora uma aparente contradição quando lembramos dos monges. Não por acaso, ao lecionar sobre os monges do deserto, Anselm Grün fala que mais que o jejum e a oração, o isolamento era o principal ponto da devoção plena, se sobrepondo aos demais comportamentos. “A solidão mostra o original, a beleza ousada e surpreendente, a poesia. Mas a solidão também mostra o avesso, o desproporcionado, o absurdo e o ilícito.” – esta a lição sobre a dicotomia da solidão que temos em Thomas Mann. Todavia, voltando ao aspecto da convivência com a solidão, me parece realmente importar como você a preenche. O quanto você é capaz de completá-la com ações que lhe são prazerosas (leitura, cinema, música, …). Por isso, concordo com Baudelaire (“Quem não sabe povoar sua solidão, também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão.”) e com Marguerite Duras (“Caminhais em direção da solidão. Eu, não, eu tenho os livros.”). Mas talvez Rilke discordasse (“Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante horas, é a isso que é preciso chegar.”). E essa necessidade de povoar a solidão parece mais grave com a vinda da velhice. Garcia Marquez sempre explorou bem o tema em livros com “Cem Anos de Solidão” ou em “Ninguém escreve ao Coronel.”. E ele é precioso ao escrever que “o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão”. Bem, cada um tem sua percepção e cada um conviverá com a solidão de sua maneira própria. Continuo a me pautar por Laurence Sterne: “A solidão é a mãe da sabedoria.”.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Robert Browning, Victor Hugo, Aristóteles, Schopenhaeur, Amyr Klynk, Clarice Lispector, Paul Valéry, Leandro Karnal, Anselm Grün, Thomas Mann, Baudelaire, Marguerite Duras, Rilke, Gabriel Garcia Marquez, Laurence Sterne