“Desculpa, eu gosto de sonhos cheios de cores.” (Clarissa Corrêa)

No canto do muro branco, se percebem cachos de pequenas flores amarelas, que parecem extremamente pesados para o pequeno arbusto. Uma sensação de que a pequena árvore se partirá a qualquer momento. São Aleluias, anunciando a Páscoa! Já se pode olhar para o verde dos morros, que me circundam, e presenciar pontos roxos e chamativos. Quaresmeiras em flor! E não se confundam, aqui, as Quaresmeiras com os Manacás-da-serra, cujas flores vão do púrpura ao branco sem a firmeza de matiz das primeiras. Não há dúvida, a Páscoa está chegando! Memórias de infância, em Petrópolis! “Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.” (Clarice Lispector) Era tempo de buscar, no sótão da casa, os cestos de vime, junco ou bambu, e, no sábado, em passeio ao Centro da cidade, comprar papel – crepom ou de seda – colorido, para confecção dos “ninhos de coelho”. Sem adentrar na discussão dos ovos de chocolate desse mamífero leporídeo, o papel cortado em tiras, depois franjado, era colado nas paredes externas dos cestos, que se tornavam “ninhos”, onde o coelho deixaria ovos e bombons. Geralmente, na véspera e escondido, meu avô Bernardo buscava um pequeno galho de Quaresmeira, que era introduzido na composição do ninho e ele ficava mais lindo assim purpurado. Também na véspera, como tradição de família operária nas empresas têxteis da cidade, eram confeccionados os ovos coloridos. Sob olhos atentos, as crianças ajudavam a enrolar ovos de galinha em tecidos de estampas coloridas, que eram assim atados por voltas e voltas de linha de costura. Com o cozimento, os ovos adquiriam em suas cascas as estampas dos tecidos e recebiam um polimento com óleo de soja. Também eles estariam no ninho do coelho. Agora, bastava esperar o despertar no domingo de Páscoa, após o cansativo sábado a malhar Judas. Acordar e ver pelos olhos alegres, nos pés da cama, o ninho do coelho no seu esplendor de cores, chocolate e flores. Mas não acabava aí, pois o coelho deixava presentes nas casas dos tios e primos, e corríamos com os ninhos, agregando mais doces e ovos. Ninhos que arrastávamos, mediante o peso que mal suportávamos! Havia uma certa disputa sobre a beleza dos ninhos, com um tom infantil. Mas há algo que lembro dessa época: solidariedade. Se, por vezes, alguém não podia propiciar isso ao filho, outro da família, individualmente ou com colaboração, propiciaria. Certamente são essas raízes e esses exemplos que me permitiram formar parte dos meus conceitos sobre ética e moralidade, meus valores quanto à empatia e à compaixão. ”A tradição não é dada por direito de herança, e, se a quiser, é preciso muito trabalho para a obter.“ (Thomas Stearns Eliot) Toda essa experiência não afastava o lado religioso, com participação nos ritos realizados dentro ou pelo caminho de acesso à Capela de N. Sra Auxiliadora, por meio da mata até o topo da colina, passando pela minha primeira escola (Escola Municipal Santa Maria Goretti). Uma mistura (tradição infantil + religião) que reforçava, indubitavelmente, a formação moral dos pequenos. “Acho a criatura humana muito mais interessante no período infantil do que depois de idiotamente tornar-se adulta.” (Monteiro Lobato) Nunca podemos deixar de ter atenção naquilo que oferecemos às crianças, pois esse valor e exemplo serão determinantes na sua formação com reflexos por toda a sua vida. Há uma hereditariedade sem “gens” talvez explicada, na física quântica, por ressonância mórfica ou emaranhamento quântico. “Além das aptidões e das qualidades herdadas, é a tradição que faz de nós aquilo que somos.“ (Albert Einstein) Eram dias muito felizes! Dias que eu gostaria que fossem, ainda, realidade para tantas crianças, para quem a Páscoa é só mais uma oportunidade de mercantilização do afeto. As opções da sociedade são determinantes das consequências da vida nesta mesma sociedade – a realidade do fenômeno de causa e efeito. O desafeto que se vive vem do afeto que se negou!

Autoria: Fernando Sá

Autores citados: Clarissa Corrêa, Clarice Lispector, Thomas Stearns Eliot, Monteiro Lobato, Albert Einstein

Foto: pixabay.com 

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