MANIFESTAÇÃO E RESPEITO
“Não concordo com uma palavra que você disse, mas defendo até a morte o teu direito de dizê-las.” (Evelyn Beatrice Hall)
A célebre frase de Hall caracteriza o princípio do direito à livre expressão, mas tem sido interpretada de forma deturpada, visando principalmente uma capa de imunidade ou impunidade a condutas reprovadas e criminalizadas pela lei. Um dos grandes pontos quando fui estudar a 1ª. Emenda à Constituição Americana de 1787, na Universidade da Califórnia, estava na adequação desta com os direitos civis também garantidos constitucionalmente. Os denominados “Pais Fundadores” estabeleceram aquela emenda para proteger liberdades individuais da invasão do Estado no espaço privado. Todavia, não há ali no livre direito de expressão uma proteção para qualquer manifestação. Talvez a melhor forma de entender a dicotomia está na diferença entre as palavras gostar e respeitar. Sendo bem simplista: – Eu não gosto de jiló, mas devo respeitar o direito de comercialização do jiló a quem o aprecia. Assim, se pode não gostar ou não concordar com condutas, etnias, culturas, e manifestar tal opinião, mas não se pode de qualquer forma desrespeitar ou estimular o desrespeito às mesmas. Todavia, estamos falando dos EUA, onde o aspecto privado individual, apesar das recentes mudanças legislativas, se sobrepõe muitas vezes ao interesse comum. Em países europeus ou que adotaram um modelo mais próximo ao Estado Social, como o Brasil, esse direito de manifestação é muito mais restrito, seja por limitação constitucional ou infraconstitucional, ou mesmo interpretação judicial final. Pois, o “não gostar” ou o “contrariar” foram criminalizados. E não existe uma questão de certo ou errado nisso. Essa foi uma decisão soberana a partir de uma Assembleia Constituinte ou de um Parlamento cujos membros foram livremente eleitos pela população. Você não gostava de quem foi eleito? Pois é, este é o preço da democracia. Todo voto tem o mesmo valor e a decisão da maioria deve ser respeitada. Mas há desvios no caminho? Ok! Existem remédios constitucionais e legais de conserto! Portanto, fique atento aos seus gostos, pois não há garantias de que você possa manifestá-los sem estar cometendo crimes e cabendo responsabilização por eles. Essa é a visão jurídica! Mas, existe uma visão moral que repassa pelos princípios humanistas e, também, por valores religiosos, e aqui me restrinjo ao cristianismo. Sobre estes últimos lembro do conceito do amor “ágape” dos gregos e incorporado, mais em tese que na prática, ao mundo cristão. Ou seja, se deve amar até o inimigo. Segundo George Sand, “só se deverá acreditar num Deus que ordene aos homens a justiça e a igualdade”. Sobre o aspecto humanista, e ainda em tom jurídico, em 1948, após o genocídio nazista, houve o advento da DUDH (Declaração Universal dos Direitos Humanos), que inspirou constituições e revisões constitucionais de muitos Estados. À DUDH estão agregados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais , formando a Carta Internacional dos Direitos Humanos. E tudo isso vem sendo aprimorado por diversos tratados internacionais (Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, dentre tantas). No Brasil, tratados internacionais quando celebrados (Presidência) e ratificados (Parlamento), passam a ser lei interna. Portanto, manifestações que ofendam tais legislações caracterizam crimes, que podem ser comuns (praticados por qualquer um) ou de responsabilidade (praticados por determinadas autoridades). O espaço da livre manifestação, como se vê, é bem restrito. Ainda bem que existe tal gama de proteção à diversidade. Pois independente de sua eficiência, o mais triste está na sua necessidade. Uma das frases mais linda que já ouvi foi: “A diversidade garante que crianças possam sonhar, sem colocar fronteiras ou barreiras para o futuro e os sonhos delas” (Malala Yousafzai). Palavras de uma menina que luta pelo direito de meninas irem à escola, o que é negado em seu país (Paquistão). Você acha isso um absurdo? Mas também é um absurdo segregar negros, gays, deficientes, … As manifestações intolerantes, por regra, sempre estiveram nas bocas daqueles que mais causaram mal à humanidade, como Mussolini (“Não se pode colocar todos no mesmo nível. A igualdade é anti-natural e anti-histórica.”). Os maus exemplos da História sempre estiveram contra a diversidade e o respeito a ela pela igualdade de direitos. Para a harmonia, bastaria atenção ao primeiro artigo da DUDH: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” Assim, atingiríamos aos princípios cristãos, aos princípios humanistas e seríamos bons. Na lição de Thoreau: “É preferível cultivar o respeito do bem que o respeito pela lei.” Mas, infelizmente, mesmo com a lei, vemos essa falta de empatia (respeitar o sentimento do próximo), de compaixão (sentir a tristeza do outro) e moralidade (generosidade e amor ao próximo) no mundo atual. E o mais grave, a falta de pudor em ser mal ou praticar atos imorais ou criminalizados se tornou uma prática. Uma sociedade com respeito e amor ao próximo, deixando de fazer ao outro o que não quer para si, parece ser só uma utopia. “Não existe outra via para a solidariedade humana senão a procura e o respeito da dignidade individual.” (Pierre Nouy)
Autor: Fernando de Castro Sá
Autores citados: Evelyn Beatrice Hall, George Sand, Malala Yousafzai, Thoreau, Pierre Nouy
Tema sensível e esquecido Pela grande maioria !
Viver implica em fraternidade e respeito ao próximo
Uma das coisas mais repugnantes que sinto éanossa omissão àmiséria!
Todos somos iguais para Deus
Intolerância , preconceito e falta de atitude às mazelas da Sociedade , nos leva à decadência moral !
Você está coberta de razão, Maria. OmnisVersa visa gerar reflexão sobre tudo isso, para que a mudança individual, para a vida boa, traga a mudança em favor de uma vida boa coletiva, ou seja, à sociedade em geral. A dignidade deflui desse estar bem da coletividade.