“A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem.” (Epicuro)

Vingança em lato senso seria qualquer tipo de punição, castigo, ou seja, tudo o que pode castigar ou causar sofrimento. Portanto, a visão negativa da vingança tem a ver com uma questão moral ou mesmo religiosa (Lei de Talião). Para os gregos existia uma harmonia natural que justificava tudo e a isso chamavam cosmos. Quando essa harmonia sofria um desequilíbrio, fosse por ato humano ou divino (por um dos deuses), o cosmos se rompia advindo o denominado caos. Mesmo que resolvida a questão com o fim do caos e o retorno do cosmos, quem gerou o caos, fosse humano ou divino, sofria o tanus (castigo, vingança). Seria importante saber qual a palavra original utilizada por Epicuro e que foi vertida como vingança. Mas deixando de ser tão literal, a vingança por esse contexto moral – e há quem fique chocado pelo uso de tal palavra, sempre gerou uma visão de que se trata de fazer um mal maior a quem lhe fez um mal. O quanto a lei penal não traz a vingança da sociedade humanizada pelo princípio finalístico? Afinal, o que se quer é justiça ou vingança? O fim da pena está na ressocialização, ou seja, trazer aquele criminoso a condição de vida em sociedade com o entendimento que não deve praticar novos ilícitos. Não entrarei na questão do alcance desse fim desejado diante do sistema penitenciário. Na frase de Epicuro o que vejo é o entendimento de que a justiça existe de forma organizada na sociedade para se evitar a barbárie que poderia ser a justiça do homem em estado selvagem. O estado selvagem é a questão, pois nele existe o chamado direito natural, que costuma ser o direito do mais forte.  Para quem se interessar, leia “O caso dos Exploradores de Cavernas” (Lon L Fuller). Ali, há um excelente exercício sobre o Direito Natural. Por outro lado, não sabemos se Epicuro não está querendo ser mordaz e falando exatamente de que a justiça seja parcial e então ela pode ser aquela vingança do homem no estado selvagem. Mas o que me chama mais atenção é nossa interpretação moral e religiosa de vingança: a vingança é um pecado. Mesmo autores reconhecidamente ateus tem essa visão. E assim, os autores ensinam: (i) “A vingança procede sempre da fraqueza da alma, que não é capaz de suportar as injúrias.” – François La Rochefoucauld, (ii) “A vingança é uma espécie de justiça selvagem.” – Francis Bacon, (iii) “O ser humano deve desenvolver, para todos os seus conflitos, um método que rejeite a vingança, a agressão e a retaliação. A base para este tipo de método é o amor.” – Martin Luther King, (iv) “Na vingança e no amor a mulher é mais bárbara do que o homem.” – NIETZSCHE; (v) “Nunca a alma humana surge tão forte e nobre como quando renuncia à vingança e ousa perdoar uma ofensa.” – Chaplin, e (vi) “Um ato de justiça permite que o capítulo seja fechado; Um ato de vingança escreve um novo capítulo.” – M Vos Savant. Talvez haja uma exceção em Marivaux: “A vingança agrada a todos os corações ofendidos; (…) uns preferem-na cruel, outros generosa.” Neste momento, esse assunto pode ser deveras inquietante quando pessoas discutem sobre a liberação de presos na pandemia. Se a Constituição Federal e a lei penal vedam a tortura e a pena de morte (ressalvada a hipótese de penal de morte do Código Penal Militar), manter um prisioneiro cativo em condições de falta de proteção sanitária, não seria aplicar-lhe a tortura e a pena de morte, em contradição à sua punição com fins de ressocialização? Fica a questão: ao pensar pela manutenção da condição do aprisionamento com risco de infecção e morte, não seria hipótese de vingança?

Autoria: Fernando Sá

Autores citados: Epicuro, Lon L Fuller, François La Rochefoucauld, Francis Bacon, Martin Luther King, Nietzsche, Charles Chaplin, M Vos Savant, Marivaux