CONCEITOS QUE NÃO SE CONFUNDEM: moral, ética, legal, legítimo e justo.
“É difícil tomar uma decisão quando ser justo não significa ser bondoso.” (Augusto Branco)
Recentemente, vivi uma situação bem peculiar sobre como alguns conceitos podem ser confusos ou usados de forma oportunista e parcial pelas pessoas. Conversando com um amigo engenheiro de carreira, mas que estudou Direito como eu, me fez captar parte do problema. Segundo ele, o principal aprendizado da faculdade de Direito, fora a diferenciação entre justo, legal e moral (Teoria dos Círculos Concêntricos). Eu incluiria aí o conceito de legítimo, também. Todos esses conceitos. Por vezes, são tratados como se fossem sinônimos, quando não o são. Por vezes, o legal está longe da moral e do justo. Basta pensar no período escravocrata, onde era legal submeter uma pessoa, em razão de sua etnia, ao jugo feroz e desumano. Seria justo e moral? Mesmo o legal, que acaba se impondo mais das vezes ao justo e ao moral, muitas vezes não é legítimo. Imagine o maldito e vergonhoso AI-5, da ditadura militar. Era legal. Mas onde estava a sua legitimidade como instrumento de um governo que tomou o poder pela subversão da ordem mediante um Golpe de Estado? Este é um bom exemplo onde o legal não é legítimo, justo nem moral. Essas excrecências da evolução humana assustam, e muitas vezes dão margem às inversões de valores. Hoje, me assusta uma divisão que estão criando entre moral e ética. Estes dois conceitos me parecem sinônimos. Concordo com Pondé, quando ele só vê duas palavras com origens distintas (latina e grega), mas com igual significado. Mas vejo o crescimento de uma corrente que vê a moral sob o aspecto coletivo e a ética sob ótica individual. O que me assusta? Possibilitaríamos atitudes serem morais e éticas, ainda que antagônicas. Em uma sociedade escravocrata a moral (coletivo) respaldaria a escravidão, sendo éticos tão somente os abolicionistas. Como se explicaria tanta contradição? Imaginemos o período do nazifascismo, quando tínhamos regimes legítimos e legais, cujo apoio coletivo lhes garantiria moralidade, mas sem que fossem justos. A ética estaria, no campo individual, com o colaboracionista ou com o opositor? Me vêm as palavras de Mário Covas; “No Brasil, quem tem ética parece anormal.”, de forma aplicável à hipótese. Mas, afinal, como leciona Albert Schweitzer, “um homem é verdadeiramente ético apenas quando obedece a sua compulsão para ajudar toda a vida que ele é capaz de assistir, e evita ferir toda a coisa que vive.”. No exemplo do AI-5, ele poderia ser considerado moral e não ético, se feita tal segregação dos conceitos. Um absurdo; principalmente quando, na lição de Georg Jellinek, “o direito não é nada além do mínimo ético”. Me preocupa o quanto está segregação entre ética e moral não seja mais um ardil do corporativismo capitalista. Impõe-se um código de ética de forma individual a cada colaborador, ficando flexível a moral corporativa de cunho coletivo. Como dizia Martin Luther King, estamos nos deparando com o “relativismo ético”. Por essa e outras, não posso concordar com uma visão diversificada sobre moral e ética e me reporto a Blaise Pascal (“A consciência é o melhor livro de moral e o que menos se consulta.”). E aqui me valho também de Friedrich Nietzsche. Se não há fenômenos morais, mas apenas uma interpretação moral de fenômenos, sendo a interpretação individual se sobreporia a ética do intérprete. Como separar ética e moral, então? Outra prova da unidade de moral e ética advém da complementaridade das frases de Hemingway (“Moral é o que te faz sentir bem depois de tê-lo feito, e imoral o que te faz sentir mal.”) e de Cortella (“Ética é o conjunto de valores e princípios que usamos para responder a três grandes questões da vida: (1) quero?; (2) devo?; (3) posso? Nem tudo que eu quero eu posso; nem tudo que eu posso eu devo; e nem tudo que eu devo eu quero. Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é ao mesmo tempo o que você pode e o que você deve.”). Outro aspecto é que em grupos manipulados, a moral, sendo uma característica do coletivo, pode ser falsa e atuar contra a ética. Essa foi uma realidade recente do Brasil, e para a qual as palavras de Mencken são atualíssimas: “O pior governo é o mais moral. Um governo composto de cínicos é frequentemente mais tolerante e humano. Mas quando os fanáticos tomam o poder, não há limite para a opressão.”. Aliás, Aristóteles entendia a ética diretamente relacionada com a ideia de virtude (areté) e da felicidade (eudaimonia). Me parece que não podemos entender que a virtude não seja um valor único ou de conteúdo distinto conforme se fale do coletivo e do individual. E, aqui, a virtude de Aristóteles é o “bem agir” baseado na capacidade humana de deliberar, escolher e agir. Como então poderíamos viver com ética e moral antagônicas dentro de um mesmo grupo social? A virtude se dá pelo justo meio, oriundo da prudência, e que nos leva a um equilíbrio (local entre os vícios por falta ou excesso). Levando em conta a prudência e o justo meio, encontraremos os valores e princípios que não podem ser diversos quando individuais ou coletivos. Como então segregar, como pretendem, moral e ética? Afinal, “o dever moral nos impõe preferir a verdade” (Aristóteles). A verdade é única não podendo ser diferente para o coletivo e para o indivíduo. Finalmente, dentro de uma lei universal, a ação não pode ser ética sem sê-lo moral ou vice-versa. Me delicio nas palavras de Kant no sentido de que o agir seja “de tal forma que a máxima de sua ação seja uma lei universal”
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Augusto Branco, Luiz Felipe Pondé, Mário Covas, Albert Schweitzer, Georg Jellinek, Martin Luther King, Blaise Pascal, Friedrich Nietzsche, Hemingway, Cortella, Mencken, Aristóteles, Kant
Foto: Craig Moe (Flickr)