“A falsa imaginação te ensina que coisas tais como a luz e a sombra, o comprimento e a altura, o branco e o preto são diferentes e têm que ser discriminadas; mas elas não são independentes uma da outra; elas são aspectos diferentes da mesma coisa, elas são conceitos de relação, não a realidade”. (Buda)
Outro dia tive de ir à Farmácia pois meus remédios regulares andavam com o estoque baixo. Mas fiquem tranquilos, queridos leitores, pois nenhum deles é tarja preta ainda. Trato apenas minha pressão que teima em sair dos limites, bem como meu colesterol e uma hiperplasia benigna da próstata, que mais das vezes atrapalha o sono. Por enquanto estou longe de integrar o bloco dos hipocondríacos graves, cabendo-me apenas cuidar do desgaste normal do corpo. Eis que eu estava na fila do caixa quando o vi acenando em minha direção, sem entender o porquê, já que havia duas pessoas à minha frente. Temendo ser taxado de fura-fila, fui até ele. Ao chegar ele me alertou que pessoas da minha idade tinham tratamento preferencial. Ainda que o diabinho do meu ombro esquerdo dissesse para eu ficar calado, o anjinho do direito me impôs uma tomada de posição mais contundente. Ouvindo a voz da razão, agradeci ao atendente mas disse-lhe que ainda não tinha chegado na “melhor idade”, faltando-me ainda um par de anos. E eis que retorno ao meu lugar anterior na fila, ainda ouvindo as lamúrias do pequeno satanás que carregamos dentro de nós. Passada a experiência, e já no caminho do carro, que deixei estacionado do outro lado da rua, percebi que quase tinha sido alvo de discriminação. E você pode se perguntar: “Como assim André”? Calma que eu explico. Discriminar, como define o bom e velho dicionário, significa colocar à parte por algum critério; especificar, classificar, listar. E desta forma, fui eu sim, naquele episódio da farmácia, alvo de discriminação. Verdade que, neste caso, uma versão “do bem” deste ato tão estigmatizado. E aí me recordo das minhas aulas de Introdução ao Direito, quando o professor afirmou, para a revolta de alguns, e o espanto de quase todos, que legislar significa essencialmente criar critérios de discriminação. Senão vamos lá… pensem comigo: se criamos uma norma penal que pune aquele que rouba, essencialmente definimos que quem rouba deve ser tratado de maneira diversa daquele que não o faz, e ao definirmos a sanção estamos realmente criando uma métrica para essa diferença de tratamento. Na questão do tratamento diferenciado a ser dado aos idosos, define-se por lei que a sociedade quer facilitar-lhes alguns aspectos da vida, em detrimento dos demais membros daquela sociedade. No arcabouço legal que dá isenção tributária parcial na compra de veículos, para pessoas PCD, quis também a sociedade compensar de alguma forma uma de suas parcelas já tão sobrecarregada por sua situação especial. E eis que me deparo com a constatação de que a discriminação em si não é o problema, mas sim a forma como cada um gerencia esse ato em seus comportamentos e pensamentos, devendo cada um de nós fazer uma autocrítica constante sobre como atingimos os demais membros do corpo social, notadamente as minorias. O mal na discriminação em si está nos elementos que a mobilizam e que a fazem tomar forma. É com eles que precisamos ter cuidado pois, afinal, eles acabam se manifestando de diversas formas no nosso dia-a-dia. Devemos sempre questionar nossos atos, ainda mais quando tem consequências sociais, banindo a discriminação que tem por base valores negativos, levianos ou egoístas, fortalecendo a empatia e a visão do bem do próximo. Desta forma, o anjinho do ombro esquerdo sempre deixará seu irmão chupando o dedo.