“Somos também responsáveis pelas nossas omissões.” (Johnny De’ Carli)
Na descida de Dante aos Infernos, ele conta que a área onde se davam os maiores suplícios e se impunham os maiores sofrimentos não era destinada aos pecadores, mas aos omissos. O poeta italiano eleva a omissão a uma condição mais grave que o próprio pecado. As pessoas tendem a crer que se omitir é forma de não se responsabilizar. Engano! Inclusive, há crimes que se praticam pela omissão e não pela prática de um ato específico (crimes comissivos). A omissão é sempre fruto de uma decisão; afinal você pode agir, ou não. Consequentemente, omissão acarreta responsabilidade. Talvez o maior exemplo de omissão conhecido seja o de Pôncio Pilatos ao lavar as mãos. Ele não julgou, ele não decidiu, mas sua omissão o fez conivente. Essa é uma eterna característica da omissão, pois você se faz conivente com uma situação preexistente. Lembro de um amigo que muito reclamava de sua situação, mas que se mantinha omisso, sem nada fazer. Um dia lembrei a ele que aquela situação lhe era cômoda, tanto que ele se omitia. Se o desconforto ou incomodo fosse efetivo, ele não se omitiria, ou seja, ele agiria para mudar. A omissão dele trazia aceitação da situação, ou seja, lhe retirava o direito dela reclamar. Padre Antônio Vieira assim expôs a questão: “Por uma omissão perde-se uma maré, por uma maré perde-se uma viagem, por uma viagem perde-se uma armada, por uma armada perde-se um estado: dai conta a Deus de uma Índia, dai conta a Deus de um Brasil, por uma omissão.”. E, aqui, encaminhamos para uma certeza de que não nos deparamos só com a omissão própria a nossas vidas, mas vemos outras situações de omissão questionáveis por sua amplitude. Chico Xavier dizia que “a omissão de quem pode e não auxilia o povo é comparável a um crime que se pratica contra a comunidade inteira”. Vejamos as notícias sobre as péssimas condições de saúde, transporte público e educação em várias partes do Brasil, as quais corroboram o entendimento da lesão ocasionada coletivamente pela omissão do poder público, na figura dos agentes/servidores omissos nas suas atividades e deveres. Explica-se a necessidade de nossa atuação em cobrar atitudes, sob pena de nos omitirmos e sermos coniventes com situações prejudiciais e lesivas. “Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes.” (Abraham Lincoln). A atuação pontual, adequada, respeitosa e racional se faz necessária, inclusive pelo voto. “Que continuemos a nos omitir da política, é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem.” (Bertolt Brecht) Mas há também situações em que a omissão visa um fim predeterminado e, nesse momento, ela é dolosa, traiçoeira e mentirosa; não se trata mais de uma negligência de quem supostamente não quer decidir ou se responsabilizar. Com esse tipo de omissão se pode exterminar povos, destruir culturas, evitar que a justiça seja feita, … Talvez isso explique bem o local citado por Dante nos infernos e destinado aos omissos. A omissão e a submissão são as grandes amigas da maldade, pois os omissos se fazem coniventes e os submissos idólatras. Por isso, Edmund Burke nos leciona que “para que o mal triunfe basta que os bons fiquem de braços cruzados”. Um dos maiores homens, na história da humanidade, Martin Luther King dizia que ‘quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele” e, em seu famoso discurso lembra que mais grave que o barulho dos maus é o silêncio dos bons. O silêncio omisso traz consigo a cooptação, a conivência e a aceitação. A omissão é capaz de legitimar o errado, o mal, e o moralmente inaceitável. Por outro lado, a omissão também expressa junto aos outros uma imagem do inerte. Gosto quando Paulo Leminski entoa: “Repare bem no que não digo.”. O silêncio fala por si e desnuda o omisso. Afinal, tomou-se uma decisão pela omissão e as pessoas analisarão essa conduta. Outrossim, omitir também pode significar mentir, ou melhor, não trazer luz à verdade. A omissão não deixa o omisso ileso; muitas vezes, ela lhe traz mais dores de cabeça, seja de forma imediata ou mediata. A vida é assim árdua; você está sempre decidindo; às vezes age e às vezes se omiti. Em qualquer hipótese há responsabilidade. Viver é se responsabilizar por seus atos e suas omissões. Lembre-se da oração: “Confesso a Deus e a vós, irmãos, que pequei muitas vezes por pensamentos e palavras, atos e omissões, por minha culpa, minha tão grande culpa”.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Johnny De’ Carli, Dante, Padre Antônio Vieira, Chico Xavier, Abraham Lincoln, Bertolt Brecht, Edmund Burke, Martin Luther King, Paulo Leminski
Foto: Holger Wirth (Flickr)