“Não existe outra via para a solidariedade humana senão a procura e o respeito da dignidade individual.” (Pierre Nouy)
O conceito de mínimo existencial foi acolhido pela Constituição Brasileira. Ele se vincula a direitos sociais (educação, saúde e trabalho), também previstos naquele documento, gerando um dever do poder público em prover aos cidadãos o mínimo necessário à uma vida digna. O mínimo vital não é visto como suficiente, pois para garantia da liberdade e da cidadania devem estar disponibilizado e provido o acesso à educação, à saúde e ao trabalho. “Cada coisa tem o seu valor; ser humano, porém tem dignidade.” (Immanuel Kant) Passamos por um período recente de trevas, no qual o mínimo existencial foi desconsiderado, ainda que diante de tal previsão maior – constitucional. Ninguém é mais indigno do que quem nega a dignidade ao outro. Kennedy dizia que “se você agir sempre com dignidade, talvez não consiga mudar o mundo, mas será um canalha a menos” Sendo um conjunto básico de direitos fundamentais que assegura a cada pessoa uma vida digna, quando o poder público se afasta do atendimento da regra constitucional, ele agride o cidadão e demonstra um completo descuido para a sua dignidade. Portanto, o princípio maior acaba indo por terra, qual seja, o do Estado Democrático e de Direito. Não poderia ser diferente, pois estamos a falar de condições para o exercício da liberdade, existente na noção de felicidade, nos direitos humanos e pautado nos princípios de igualdade e dignidade humana. O estado, então, não pode simplesmente garantir a sobrevivência do cidadão. A ele há uma incumbência maior. Existe, pois, um princípio constitucional, para garantir melhores condições de vida aos mais fracos, ou seja, se pretende romper com situações sociais desiguais. Não falamos aqui de assistencialismo, mas não expor o hipossuficiente a condições irreversíveis de fragilidade. Governantes dissociados de tal preocupação tentam se valer do princípio da “reserva do possível”, para justificar o descumprimento de tal norma. Consequentemente, visto o custo da implantação de direitos sociais, alegam que estão limitados aos cofres públicos na proporção orçamentária de cada área (saúde, educação, moradia, transporte, …). Mas essa linha defesa exige, por seu turno, que se comprove o equilíbrio de planificação pela previsão constitucional do mínimo existencial. Quando o governante deixa de prever, no orçamento gasto sociais, mas coloca valores exacerbados em outros fins orçamentários, inclusive alguns tidos por secretos, ele está deixando de cumprir a determinação constitucional e não pode se valer da “reserva do possível”. Conclui-se, então, que a obrigação da administração pública em garantir o mínimo existencial da população é inescusável. Isso nos leva a crer que há crime de responsabilidade pelo Chefe de Estado quando ele deixa de cumprir o mínimo existencial. Os crimes de responsabilidade envolvem condutas que atentam contra a Constituição e, especialmente, também contra o exercício ou possibilidade de exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. No caso do passado recente, este tema deverá ser largamente explorado. O que talvez gere mais espanto seja a necessidade de tal previsão, quando se espera que ética e moralmente, o governante deva estar voltado para a garantia da vida digna dos cidadãos. “A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana.” (Franz Kafka) Mas, a previsão é necessária, pois nem sempre há empatia, moral e ética presentes.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Pierre Nouy, Immanuel Kant, John F. Kennedy, Franz Kafka