“… a tradição convida-nos a aceitar somente os cadáveres da verdade.”(André Gide)
Percebemos, hoje, que tais palavras (tradição e conservadorismo) têm sido usadas erroneamente como sinônimos. Se é que não sempre o foram. A tradição é um processo de comunicação oral de fatos, lendas, ritos, usos, costumes, …, de geração para geração. Ela possibilita, e também significa, uma herança cultural, um legado de crenças e técnicas de uma geração para outra. Portanto, a tradição permite a consubstanciação e manutenção daquilo que é bom, bem como, a alteração daquilo que não o é. A tradição se torna elemento de evolução da sociedade. A tradição carrega uma verdade que se confirmou no tempo. Por isso, Alexandre Blok vai defender que “infringir a tradição também é uma tradição”. A tradição deve ser vista para fins de avaliação da necessidade, ou não, de mudança. A tradição escravocrata foi analisada quando do surgimento do movimento abolicionista. Os escravocratas eram conservadores por não aceitarem rever a tradição, fosse por motivos econômicos ou outros. O conservadorismo é sempre um movimento de aversão a mudanças. O conservadorismo não admite sequer a discussão sobre a tradição. É um olhar estático, frio, nublado, torto. Portanto, não há que se dar igual sentido à tradição e ao conservadorismo. Se a vida é constante mudança, já se percebe que o conservadorismo é um movimento equivocado em sua essência. “Nada é permanente, exceto a mudança” (Heráclito) Conservadores não marcham pela tradição, mas por suas dificuldades em lidar com a mudança. Sidarta Gautama (Buda) já lecionava em favor do não conformismo com a tradição e a necessidade de sua constante avaliação, dizendo: “Sê uma lâmpada para ti mesmo.”. Conservadorismo também nada tem a ver com direita ou esquerda. Nada mais conservador do que vimos por parte de líderes e partidários de regimes supostamente de esquerda em países integrantes da antiga URSS, que eram avessos a qualquer mudança. “A verdadeira viagem da descoberta consiste não em buscar novas paisagens, mas em ter olhos novos.” (Marcel Proust) A tradição permite aos novos olhos buscarem o melhor a partir das experiências passadas (tradição). O passado se torna a lição aprendida como base da mudança, ou, não, que o presente exige e garante um futuro melhor. A “inteligência é a capacidade de se adaptar à mudança” parafraseando Stephen Hawking. Se a tradição me é cara, o conservadorismo me é abominável, porquanto fere tudo aquilo que é a vida e permitiu a evolução da civilização. “Não despreze a tradição que vem de anos longínquos; talvez as velhas avós guardem na memória relatos sobre coisas que alguma vez foram úteis para o conhecimento dos sábios.” (J.R.R. Tolkien). Mas avalie sempre a validade da tradição recebida, para a mudança, pois o estático não existe; a mudança é o real. Carl Rogers exemplarmente mencionava que “se fosse estável, prudente e estático, viveria na morte”. Imagine o mundo sob a ótica quântica, onde tudo são ondas e partículas em movimento. Como acreditar na manutenção estática das coisas? Shaw estava correto em seu entendimento de que “o progresso é impossível sem mudança; e aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar nada”. Por isso julgo tão estranho quando conservadores falam em progresso. Conservadorismo, em regra, envolve fanatismo e violência, pois ele parte de dogmas inquestionáveis. Dogmas não podem ser objeto de discussão, importam verdades absolutas. Os conservadores impõem, não debatem. Os momentos mais conservadores da história foram momentos de menor avanço da civilização, de maiores atribulações – momentos de involução. As tradições significam a possibilidade de fortalecimento de nações, impulso ao progresso, consolidação de valores temporais e atemporais, convivência dos diversos. O conservadorismo significa as trevas das ideias fixas e da falta de dialética. A tradição traz luz enquanto o conservadorismo vive na escuridão de não pensar, refletir e ponderar.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: André Gide, Alexandre Blok, Heráclito, Sidarta Gautama, Marcel Proust, Stephen Hawking, J.R.R. Tolkien, Carl Rogers, George Bernard Shaw