“Vós, que sofreis, porque amais, amai ainda mais. Morrer de amor é viver dele.” (Victor Hugo)
Caminhava pelas ruas tendo por companhia apenas o vento frio. Por vezes ensaiava um escorregão nas folhas, de um sépia triste, que se deitavam aleatoriamente pela calçada e alçavam voo com o vento. Nem percebia que estava frio. Não sentiria frio, ainda, que estivesse sem seu suéter, casaco e cachecol. Afinal, estava tomado pelo calor de uma mistura de sentimentos. Como em um drink complexo de muitas bebidas e misturas, estava envolvido pela sensação de traição, desrespeito, acrescidos de autocomiseração e vitimização. Culpava-a por tudo no seu consciente, pois precisava de culpados, mas inconscientemente carregava o conhecimento do seu grau de responsabilidade no caso. Esse caldeira & atilde; o de emoções bastava para lhe esquentar o corpo, bem como para lhe fazer tecer fantasiosos atos, que nunca praticaria, mas que soariam heroicos ou trágicos, como sugeririam Shakespeare e Homero. Na verdade, passados alguns minutos, tudo soava mais como uma opereta bufa e não uma obra elaborada de Mozart ou Wagner. Mas o que mais o revoltava é que, independente de sua ira, instabilidade e dor, lhe acompanhava a ansiedade da paixão. No fundo nada faria que possibilitasse perdê-la. Se martirizava desnecessariamente, porquanto não admitia separar-se dela. Talvez estivesse aí sua maior dor – o grande calvário. De repente, um esbarrão. Quem poderia além dele estar caminhando naquela rua desolada pelo frio e pelo vento? Pensou em olhar feio para o outro transeunte, mas ele já seguira seu caminho quase correndo na busca de proteção da intempérie. Mas, ao levantar a cabeça, ele a vê. Ela está em pé na esquina, completamente desprotegida, em seu vestido fino, transpassado, e quase arrancado do corpo, pelo vento cruel. Sua primeira reação é correr para abraçá-la e protegê-la do frio, do vento e dos flocos de neve que começam a cair. Ao se aproximar, ele percebe sua pele alva num tom já quase azulado, os mamilos hirtos sob o vestido; parece que, alí e agora, a vida está concentrada apenas naqueles lábios rubros. Ele a arrebata e aperta-a contra o corpo, querendo aquecer seu corpo exposto, vulnerável e frágil. Ela o beija e diz: “Por que antes de tirar conclusões, na conversou comigo?” Ele teve vergonha de reconhecer que é tolo e responde com uma lágrima. Antes de beijá-lo, ela diz: “Te perdoo por duvidares de mim!” Partem! Naquele fim de tarde cinzento, fizeram amor como nunca antes tinham feito. Os lençóis nunca perderam a mistura dos seus odores no acasalamento de suas almas.