“Tudo o que começa com raiva acaba em vergonha.” (Benjamin Franklin)
Tecnicamente, a raiva é uma doença infecciosa viral aguda grave, que acomete mamíferos, e caracteriza-se como uma encefalite progressiva e aguda com letalidade. Um dos sintomas da doença é a irritabilidade que traz agressividade. Por isso, raiva passou a designar, também. um sentimento de protesto, insegurança, timidez ou frustração, contra alguém ou alguma coisa, que se exterioriza quando o ego se sente ferido ou ameaçado, com diferentes graus de intensidade. “A cada minuto que passamos com raiva, perdemos sessenta felizes segundos.” (W. S. Maugham) O povo brasileiro, historicamente, era visto por uma característica de afabilidade, que nos últimos anos se reverteu. Hoje, a raiva é o sentimento de destaque na sociedade brasileira. Essa raiva está vinculada e demonstrada em discursos de ódio que deixaram os porões e, por completa falta de pudor, humanidade ou decência, se tornaram públicos. Há raiva contra religiões, etnias, populações regionais, diversidade sexual e ideológica, … Uma raiva construída por modelos de fanatismo, por vezes religioso e por vezes políticos; modelos que se complementaram, trazendo uma feiura sem precedentes à sociedade brasileira. Em regra, tal tipo de comportamento, bem explicado por Freud, em “O mal estar da civilização”, possui estrita ligação com o sadismo. Ocorre que como dizia Budagosa, “guardar raiva é como segurar um carvão em brasa com a intenção de atirá-lo em alguém; é você que se queima”. A história humana demonstra que o avanço civilizatório se deu pela união. O homem é um ser gregário. Quando você cria uma separação na sociedade, baseada em um extremismo de que ordem for, onde o discurso de ódio inflama a raiva, essa sociedade involui. A recomposição dessa sociedade não só se torna difícil, mas, dependendo da intensidade do ódio, impossível. Algumas sociedades conseguiram pactos sociais que reuniram as pessoas, estabelecendo uma tolerância pela diversidade e que levaram as sociedades a recuperação da busca do alcance do bem comum para todos. Talvez, um excelente exemplo seja a Espanha, que, após a Guerra Civil (1936/1939) sofreu a Ditadura Franco, mas encontrou sua redemocratização a partir de 1973, conseguindo trazer unidade nacional. Não muito diferente, podemos citar o fim do salazarismo em Portugal (1974). Como se vê, parece que o Brasil, se encontra com cem anos de atraso, o que assusta. Estamos aqui numa época de extremismo e autoritarismo já vencido no ocidente no século passado. Em outras nações, a raiva trouxe rixas que sub-repticiamente se mantêm, como nos Estados Unidos, por força da Guerra de Secessão, ou ódios que as petrificam como no Iraque ou Afeganistão. Mas, certamente, o Brasil não vai bem. Seja no salazarismo, no franquismo ou no bolsonarismo, o ódio é a tônica. Aqui, a raiva só cresce. Robert Ingersoll ensina que “a raiva é um vento que apaga a lâmpada da mente”. A raiva sempre trouxe as trevas, também o fez no fascismo italiano, no nacional-socialismo alemão ou no stalinismo. Essa raiva ou ira deve ser objeto de controle, pois só assim ela se converte em “força capaz de mover o mundo”, nas palavras de Mahatma Gandhi. As pessoas tendem a crer que atos de raiva causam danos aos outros, sem perceber o que causam a elas mesmas. A sociedade de não evolui unida não prospera e, também, seus membros não prosperam. Trata-se de uma visão curta e carente de maior inteligência. “A raiva é um veneno que bebemos esperando que os outros morram.” (William Shakespeare). Mas a raiva cega, principalmente quando existe o fanatismo. Estabelecer um dogma é permitir-se não ter dúvidas e atacar quem possa representar o surgimento das dúvidas. Por isso, vemos nos discursos de ódio a repetição de slogans, frases de efeito, mentiras, … Não há discernimento, senso crítico ou inteligência emocional. Vemos verdadeiros bonecos de ventríloquos. O Brasil corre grave perigo com essas seitas do ódio, sejam políticas ou religiosas. Nunca o futuro se tornou tão obscuro. Falta um conhecimento mínimo é deveras antigo, que vem de Sun Tzu: “Um soberano jamais deve colocar em ação um exército motivado pela raiva; um líder jamais deve iniciar uma guerra motivado pela ira.”. Se o uso da raiva pelos inteligentes é perigosíssimo, pelos iletrados se torna uma catástrofe anunciada. “Sentir raiva é vingar-se das falhas dos outros em si próprio.” (Alexander Pope)
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Benjamin Franklin, W. S. Maugham, Freud, Budagosa, Robert Ingersoll, Mahatma Gandhi, William Shakespeare, Sun Tzu, Alexander Pope
Foto: Aphrodite (Flickr)