Ainda muito jovem, e começando a conhecer a literatura francesa, fui apresentado a um livro escrito por Christiane Rocherford e intitulado “O Repouso do Guerreiro”. O livro foi a base do filme de igual título (“Le Repos du Guerrier”), dirigido por Roger Vadim e tendo no elenco a então iniciante Brigitte Bardot. O livro é considerado o melhor romance de Rochefort, que narra, no estilo realista, a história de um casal (Geneviève e Renaud) inusitado. Ela é uma estudante de medicina imersa em princípios humanitários, que salva a vida dele – um alcoólatra suicida. Tudo indicaria uma linda história de solidariedade, mas os personagens são tão fragmentados que passam a viver uma simbiose caótica. Neste processo, se revela um destrutivo relacionamento ao qual ela se entrega cegamente. Geneviève vai se perdendo dentro de uma paixão devoradora sob o prisma físico e moral. Há uma decadência que se desvenda a partir da descrição, por ela, de sua relação emocional e sexual com Renaud. Já não se distinguem moral, obsessão, dignidade e prazer. Renaud, com suas características sádicas, abusa de Geneviève seja por atos seja por palavras. Diante dessa obra, eu comecei a entender, naquele momento, a necessidade de completude do indivíduo. Pois, só assim se alcança autorrespeito, amor-próprio e, sobretudo, a imposição de vontade própria e consciente. A estabilidade emocional afasta o risco de perder-se e reserva a dignidade, em situações de normalidade. Essa estabilidade emocional envolve completude ou se ser inteiro. Passado o tempo, me deparei com outras obras, principalmente de cunho científico, que foram confirmando aquilo cujo entendimento iniciei com o romance de Rocherford. Certamente, tal ensinamento, em muito, me ajudou em diversas tempestades que cruzei e batalhas que enfrentei. Obviamente, não é tão simples assim estar inteiro ou completo. Além disso, as pressões vêm e nos afligem diariamente em intensidade e formas diversas. Mas nos cabe a resiliência. Não importa o quanto difícil seja, pois, no final, vale a pena nossa integridade emocional. Esse é um caminho longo, todavia, essa meta nos faz entender melhor o conceito de acordar do budismo ou de unidade com o Pai, no cristianismo. Talvez essa busca seja uma das mais importantes escolhas de nossa vida. Ocorre que ela tem um preço, pois ela traz consciência da nossa responsabilidade por nós mesmos e a impossibilidade da justificativa por mera imposição de culpa a terceiros.