“Deus fez o alimento, o diabo acrescentou o tempero.” (James Joyce)
Quando falamos de alimento e alimentar-se imaginamos pratos, jantares, saúde, dieta, restaurantes, …, e milhões de outras coisas. O alimento é tão importante quanto oxigênio e água. “Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio.” (Hipócrates). Mas o alimento tem em si uma dicotomia. E, como tal, há que se ter equilíbrio. Não podemos esquecer que a gula é um pecado capital. “O que é alimento para uns, para outros é um veneno amargo.” (Lucrécio) E, incrivelmente, alimento pode ser objeto de mau uso e desperdício, ainda que escasso a grande parte da humanidade. “Uns queriam um emprego melhor; outros, só um emprego. Uns queriam uma refeição mais farta; outros, só uma refeição.” (Chico Xavier) O alimento virou foco com toda a gastronomia televisiva, os chefs famosos e mesmo uma série de arrogantes “connaisseurs gourmands”. O ato de alimentar-se sempre me foi um ritual. Em casa jantávamos juntos à mesa. Nunca houve espaço para comer em frente da TV, ou não termos uma simples, mas arrumada (toalha, pratos, talheres, guardanapos), mesa. O jantar era o momento de conversarmos sobre tudo, trocarmos ideias e entendermos o ritmo de vida de cada um da família. Hoje vejo aqueles momentos como exercícios de formação de empatia. Meu pai sempre gostou de receber os amigos e familiares para almoços, lanches e jantares. Incorporei isso. Creio realmente nesses momentos de alimentar-se como tempo de alimento físico, emocional e espiritual. Paolo Mantegazza disse que “no banquete da vida a amizade é o pão, e o amor é o vinho”. Os gregos, nas suas definições de amor, falavam do amor ágape, ou seja, o amor por todos. Não podemos esquecer que ágape significa banquete. Muito precisamente, Jesus Cristo conta uma parábola sobre ser humilde e ser elevado e de ser prepotente e ser humilhado. Nessa parábola ele fala da festa, do convidado, do anfitrião, da mesa, do amor individual, do amor pelos amigos e do amor ágape. Vê-se bem um toque da filosofia grega nesse trecho. Todavia, vê-se a importância e representatividade do ato de alimentar-se para a vida humana. Portanto, alimento tem a ver com vida e saúde, mas ele vai muito além, trazendo a possibilidade da convivência, do prazer e da celebração. Pessoalmente, adoro cozinhar, mas, independentemente do prato, tenho um ritual, ainda que só para mim, nas refeições, pois esta é uma forma de me bem tratar. Entendi isso após um período de desamor representado por um sanduíche oleoso sobre o teclado do computador em uma vida workaholic e desequilibrada. Da mesma forma mantenho um ritual para receber os amigos, pois este é um sinal de bem querer e demonstrar o prazer de estar com eles. Me preocupa o desperdício e o mau uso dos alimentos, e acima de tudo, tenho uma preocupação com o alimento que falta a muitos, e tento ajudar dentro das minhas possibilidades. Afinal, é um absurdo que ainda subsista a lição de Mandela de que “ainda há gente que não sabe, quando se levanta, de onde virá a próxima refeição e há crianças com fome que choram”. O alimento também é forma de presentear e reconhecer alguém que lhe ajuda. Consequentemente, devemos olhar o alimento sempre de forma especial, buscando o bem próprio e o bem comum, sendo parcimoniosos nos seus usos. Além de tudo que o alimento significa, representa e incorpora, não custa lembrar atentar à boa lição de Esopo: “Um pedaço de pão comido em paz é melhor do que um banquete comido com ansiedade.”.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: James Joyce, Lucrécio, Chico Xavier, Paolo Mantegazza, Jesus Cristo, Nelson Mandela, Esopo