“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.” (Jean-Paul Sartre)
O Brasil é um país onde as pessoas gostam de números. Números são usados para todo tipo de ostentação, seja de salários milionários de jogadores de futebol, quantidade de eleitores de políticos com diversos padrões de moralidade e imoralidade, quantidade e valor de propriedades de artistas, gastos com futilidades por abastados, … Mas os números que importam não são estudados e o que eles representam não recebe empatia e muito menos tratamento governamental. Falo aqui dos números negros da fome, do desemprego, da indignidade, da corrupção, … E dentre eles, temos os números da violência. “A violência não é força, mas fraqueza, nem nunca poderá ser criadora de coisa alguma, apenas destruidora.” (Benedetto Croce) Às vezes, por exemplo, como morador no Rio de Janeiro, sinto que todos passaram a entender normal crianças e adultos mortos por balas perdidas. O Rio acumula mortes “por balas perdidas” não investigadas sem que as autoridades se envergonhem por tal fato. Mas a sociedade tem seu papel feio também nessa história. Quem ainda fala do caso do ex-vereador acusado de matar seu enteado? E a necessária cobrança quanto às investigações sobre o caso da vereadora e motorista assassinados no Centro do Rio? Parece que a sociedade é tomada por uma indignação oportunista e que desaparece tão logo outro fato surja na mídia. Não seria isso um sinal de aceitação final dos atos criminosos como normais e da impunidade como condição aceitável? E isso só fortalece o estado de violência que nos cerca. Conforme divulgado pelo Instituto Fogo Cruzado, entre 01.01.22 e 10.04.22, ocorreram quase mil tiroteios na Região Metropolitana do Rio, ou seja, uma média de oito tiroteios por dia no Grande Rio. Mas, mais grave ainda são os números da violência contra bebês, crianças e adolescentes; números crescentes. Segundo a UNICEF, entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil. Isso gera uma média de 7 mil crianças e adolescentes mortos por ano. A organização Childfundbrasil estima que com a pandemia, o isolamento social e as aulas remotas, a situação de violência infantil no Brasil pode ter sido agravada em 2020 e 2021. Mas os números podem ser piores. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, em dois anos, no Distrito Federal, foram registrados 836 estupros de crianças e adolescentes. Esses são os crimes sexuais registrados contra menores. Imaginem quantos mais, de todo tipo, ocorreram e não foram registrados. Segundo o Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, 3 meninos ou meninas são abusados a cada hora. Entre as vítimas, 51% têm entre 1 e 5 anos de idade. Perplexidade? Vergonha! É importante que tenhamos, no dia 18 de maio, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil, mas seria muito importante também que todo dia fosse dia de constrangimento da sociedade brasileira por esse descalabro. Esses crimes precisam ser denunciados, investigados e, se confirmados, pesadas penas devem ser imputadas aos agressores. Não só pelo ato e consequências, mas como forma de castigo exemplar e meio de desestímulo. Não se trata só de ação governamental, mas de um pacto da sociedade contra esse tipo de violência e uma atuação firme: denunciando, exigindo providências, se manifestando, … As pessoas não podem entender como normais ou aceitáveis tais situações de violência, de qualquer ordem, contra menores. Uma sociedade despreocupada dos seus menores é uma sociedade despreocupada para com o futuro, e uma sociedade que não pode reclamar do que a espera, ou que, lá na frente, queira buscar soluções fáceis. Essa condescendência com a violência, ainda mais grave quando se trata de menores, é uma lástima. A sociedade que aceita a violência vive na violência; a sociedade que se cala quanto à violência contra menores é uma sociedade que perpetua a violência em que vive. Apesar das elocubrações sobre a afabilidade dos brasileiros, vivemos uma sociedade sem amor, pois, como lembra Jung, “onde acaba o amor têm início o poder, a violência e o terror”. Está na hora da sociedade brasileira acordar, … antes que seja muito tarde (se já não o é).
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Jean-Paul Sartre, Benedetto Croce, Carl Jung