Desde jovem aprendi a gostar e me embrenhar em Museus. Como petropolitano, os passeios pelos jardins do Museu Imperial sempre foram constantes. Em razão de trabalhos escolares, conheci Lourenço Lacombe o idealizador e grande gestor por anos daquele Museu. Consequentemente, para mim, viajar envolve museus como prazer e não como obrigatoriedade. Somado a isso, sou apaixonado por artes visuais e estudei pintura por uma época. Nesse cenário, as visitas ao Musee d`Orsay, ao Museu Picasso, ao Getty Museum, a Pinacoteca de SP, ao Museu de Belas Artes no Rio, ao Uffizi e ao Museu do Vaticano, dentre outras, eram uma felicidade. Mas o grande acontecimento se deu em Amsterdam, onde, após uma longa fila tomada de turistas japoneses, consegui entrar no Museu Van Gogh, local da maior coleção de obras do meu pintor preferido. Após visitar o andar inferior, já extasiado com a visualização de originais de obras que me encantavam desde criança, me dirigi ao andar superior. E, ao chegar naquele patamar, me deparei com a obra com a qual mais me identifico: “Campo de Trigo com Corvos”. Fiquei perplexo! Mais que o tamanho do quadro, a cena ou as cores, me impactou a técnica. Não é simplesmente um quadro onde a tinta foi espatulada sobre a tela, trazendo toda aquela beleza e colorido. Havia algo mais profundo. Eu sentia a violência do pintor no uso da técnica. A violência fruto da ansiedade de produzir, de gerar. Uma violência insana de mestre, que não se confunde com a violência louca e má. Mais que um cenário, Vincent expressava na forma adotada sua energia, sua força. Há quase um desespero de quem está limitado de alguma forma a um potencial muito inferior a si memso. Essa obra era o sinal de que ele não cabia no mundo e seu fim se daria em breve. Tive ali a confirmação de minha preferência por aquela obra dentre todas. E a prova disso é que fiquei por mais de 20 minutos parado e hipnotizado perante a tela. Certamente, tal demora e contemplação deve ter chamado atenção, pois um dos seguranças me tocou e, gentilmente, perguntou se estava tudo bem ou se eu estava me sentindo mal. Ele não deve ter entendido nada quando eu disse que estava tudo bem, e que eu só estava vivenciando o quadro. Terminada a visita, passei na loja do museu, comprei a maior reprodução daquela obra. Ela ainda decora meu quarto na casa de Petrópolis. O incrível é que voltei outras vezes aquele Museu, e sempre tive a mesma experiência, a mesma sensação, na mesma intensidade, perante o quadro. Aquela obra me fez entender Van Gogh e sua história, mas também me trouxe autoconhecimento diante do meu perfeccionismo e autocobrança. No fundo, eu só queria ser um daqueles corvos no horizonte azul e turbulento sobre o campo dourado, e ter tido a oportunidade de ver Vicent pintando. “Eu tenho a natureza, a arte e a poesia, e se isso não for o suficiente, o que é?” (Vincent van Gogh)