“Um jardim faz-se de luz e sons – as plantas são coadjuvantes.” (Roberto Burle Marx)
Sempre tive uma forte ligação com o verde: os bosques, jardins, plantas, … Onde morei sempre havia a felicidade das flores e a harmonia das plantas. Talvez por ter nascido e crescido em Petrópolis? Talvez por jardins, plantas e flores serem objetos de apreço e dedicação na família? Meu bisavô alemão, ao chegar ao Brasil, escondido em um fundo de navio, vindo com a família como colono, foi trabalhar como jardineiro em Petrópolis. Mas a botânica sempre tem seu lugar, mais escondido ou mais exposto. Quantos sabem que Goethe, antes de poeta, era botânico? Nas minhas caminhadas pelo mundo, as principais fotos estão retratando jardins – do Keukenhof ao Jardim Botânico de Cingapura, passando pelo Tivoli, Palácio Pitti, Kaisaniemi, Mission Dolores, … Afinal, aprendi com Fernando Pessoa: “Segue o teu destino/Rega as tuas plantas;/Ama as tuas rosas./O resto é a sombra/de árvores alheias”. De minha biblioteca via os ipês e pinheiros do jardim, para fazer realidade as palavras de Cícero de que “se ao lado da biblioteca houver um jardim, nada faltará”. Ao mudar para o Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, essa proximidade de mar e verde, compensaram a troca de um jardim em casa por uma varanda “socada” de plantas. Nas descobertas com meus amigos e escudeiros – o “trio calafrio”, fui sendo apresentado ao Parque Chico Mendes e o Parque Marapendi. Mas, logo quando da mudança, já descobrira um lugar que nunca deixo de visitar: o Sítio Burle-Marx. A última visita ao local foi em trio, e, ao final, acabamos “sofridamente” na cerveja e pastel, discutindo nossas diversas impressões sobre o local. E, na minha paixão por aquele lugar, entendo as palavras de Burle-Marx, pois há um som de pássaros e, possivelmente, de animais escondidos, que lembra as palavras de Clarice Lispector: “Jardins e jardins entremeados de acordes musicais”. A forma como a luz penetra no lugar e os tons de verde, amarelo e branco se misturam, maculados por vermelhos, rosas e roxos, trazendo uma magia, que se corporifica no som das fontes. Aquele é um lugar divino. E entendo porque os pais de Renato Russoespalharam suas cinzas no Sítio Burle Marx. Não há como se ter maior certeza de um retorno a Deus do que no local onde Deus se faz mais presente, na beleza da criação. Amo as figueiras, as palmeiras, os bastões de imperador, os inhames roxos, os eucaliptos arco-íris,… Tudo é perfeito; tudo se completa; tudo tem sua razão. Onde melhor constatar o que já fora dito por Aristóteles (“A natureza não faz nada em vão.”)? As borboletas têm residência no local e tiram a atenção dos visitantes. “O segredo é não correr atrás das borboletas… É cuidar do jardim para que elas venham até você.” (D. Elhers) E se não bastassem flores, plantas, jardins, há todo aquele ambiente que remete a uma figura tão típica e especial como Burle Marx, com suas obras, coleções, atividades, engenhosidade, … Alguém que me leva ao conceito de vida boa. Essa vida com a plenitude da natureza me traz a lição de Rousseau: “A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável.”. Burle Marx era um homem de amizades e, naquele momento, eu também o era, acompanhando de tão bons amigos (quase irmãos ou irmãos por escolha). E aqui vale citar algo que sempre me arrepia na visita, uma escultura em especial: “Cristo dos afogados”. Só de lembrar daquela peça me corta um calafrio. O que lembrar da visita? O cenário? A boa companhia dos amigos? A luz? O som? As obras? Vai tudo junto em uma sensação que faz o corpo vibrar quando, de olhos fechados e sem nada ver, ainda sinto algo indescritível que perdurou por duas horas e levo, e levarei sempre, comigo. A isso chamo felicidade, pois “a tristeza é um lugar entre dois jardins” (Gibran).
Autor: Fernando Sá
Autores citados: Roberto Burle Marx, Fernando Pessoa, Cícero, Clarice Lispector, Aristóteles, D. Elhers, Rousseau, Gibran