Temas espinhosos são excelentes, pois ao iniciar-se o raciocínio vai-se a elucubrações, que podem mostrar um total antagonismo real entre o que se pensa e o que se imagina pensar. E se o pensamento fica confusamente quixotesco, nada melhor que partir de Cervantes: “O amor não é senão o desejo; e assim, o desejo é o princípio original de que todas as nossas paixões decorrem, como os riachos da sua origem; por isso, sempre que o desejo de um objeto se acende nos nossos corações, pomo-nos a persegui-lo e a procurá-lo e somos levados a mil desordens.”. Aqui, podemos de início lembrar que paixão (“pathos”) para os gregos era uma doença e não por outra razão deu origem a palavra “patologia”. Então, o desejo se confundiria com a paixão e originaria várias doenças. Talvez!? O desejo, quando incontrolável, nos leva a vários pecados ou pecadilhos como a mentira, a luxúria, a manipulação, o egoísmo, … Pois é! Se viu? Voltando a Cervantes, ele entendia que “amor e desejo são coisas diferentes”, e, por isso, não se amaria tudo que se deseja, nem tudo o que se deseja seria amado. Podemos concordar parcialmente com ele, pois existe o capricho. Mas não seria o capricho um filho do desejo? Vemos que a maioria das pessoas entendem o desejo como a própria paixão, que não é o amor. Talvez seja a paixão, sendo pragmático, o desejo controlável ou avassaladoramente incontrolável. “Nada existe de grandioso sem paixão.” (Hegel) Quem já não pensou, ou fez de um tudo, no desejo de, por exemplo, copular com outra pessoa viva (ficarei no âmbito de uma certa “normalidade sexual”)? Se viu de novo? O desejo move, aguça, … há um frenesi que parece insaciável e infinito. Por isso, aprendemos com Goethe que “o amor e o desejo são as asas do espírito das grandes façanhas”, ainda que distintos. Só para apimentar porque não lembrar o Marquês de Sade (“Não há paixão mais egoísta do que a luxúria.”)? Mas será que efetivamente buscamos o objeto do nosso desejo ou a certeza da sua satisfação? Você realmente deseja aquela pessoa ou simplesmente satisfazer seu desejo para poder se certificar que conseguiu o que desejava? Já pensou nisso? Nietzsche pensou e disse: “Em última análise, amam-se os nossos desejos, e não o objeto desses desejos.”. Você vai dizer que ele é controverso. Mas quem não é? Então, talvez o caminho fosse a racionalização do desejo: foco e controle. “A verdadeira serenidade não é ausência de paixão, mas a paixão contida, ímpeto domado.” (Georges Duhamel) Mas será que não estar-se-ia perdendo a graça do desejo? Me parece que a dica foi dada por Pascal: “Quando a paixão nos domina esquecemos o dever.”. Não podemos deixar a moral/ética nunca. Por isso, viver o desejo não é um erro se preservada a moral/ética. Não precisamos chegar ao extremo que vejo nas palavras de Sand (“É preciso um trabalho duro e uma grande vontade para transformar a paixão numa virtude.”), pois nem tudo, por não ser virtude, significa falha – entender desta forma seria negar a diversidade ou a pluralidade de entendimento dos comportamentos. Desejar é normal e o desejo incontrolável pode ocorrer. Mas nunca nos afastemos dos princípios e valores éticos. “O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.” (Martha Medeiros). Desejar é viver. Você decide se bem ou mal!