A REBELDIA DOS COMPOSITORES É ANTERIOR AO ROCK’N’ROLL
“O homem não deve apenas olhar fito ante si, senão para cima também.” (Johann Sebastian Bach)
Certamente, quem vir esse título vai achar que falarei de Mozart. Não! Meu foco é outro personagem da tríade clássica. Amo música e sou bem eclético nessa área. Ouço de quase tudo – do pop ao alternativo, do clássico à MPB, do rock ao jazz. Não poderia ser diferente, porquanto não gosto de limites mentais. Bem verdade que há ritmos que não acompanho, mas porque pouco me disseram ao conhecê-los. Apesar de tal prazer com a música, nunca tive dom para cantar ou tocar qualquer instrumento. Muito pelo contrário, um professor de violão preferiu perder a mensalidade à missão de me ensinar a dedilhar o instrumento. Mas tenho duas músicas em especial que, no mundo clássico, me encantam: o “Kyrie”, da missa solene de Beethoven, e a “Paixão Segundo São Matheus”, de Bach. Portanto, não estranhe se o meu carro passar tocando Dua Lipa e você me encontrar parado no próximo semáforo já ouvindo Bach. Esse compositor me toca profundamente, não só pela obra, mas também pela personalidade. Na verdade, apesar de sua produção inigualável, Bach ficou esquecido até que Mendelssohn descobriu a partitura de “Paixão Segundo São Matheus”, e apresentou a obra em Berlin, lá por 1829. Essa obra maravilhosa e que me fez “pirar” por Bach, ao ser apresentada pela primeira vez (1728) foi objeto de hostilidade. Na verdade Johann Sebastian Bach nasceu em 1685 e faleceu cego em 1750. Ele foi um inovador e, como tal, muito criticado por isso. Como órfão, foi criado por um irmão e aos 15 anos, por ter uma voz de soprano, iniciou carreira curta de cantor, até quando da mudança de sua voz. Aos 18 anos, como violinista, já compunha com maestria obras como o prelúdio para órgão “Cristo Jaz nos Braços da Morte”. Foi violinista e organista, tendo uma cantata impressa (“Deus é Meu Rei” – cantata de nº 7, inspirada no versículo do Antigo Testamento), o que não ocorria à época. Mudou de cidades, pois não se submetia, ou a sua obra, aos caprichos dos nobres da época de uma Alemanha ainda não unificada. Mas o que fazia desse gênio um ser tão controverso? Ele introduzia variações e dissonâncias em suas músicas, o que era uma aberração para os padrões da época. Da mesma forma, ele radicalizava com mudanças no andamento e na duração dos prelúdios de cantatas, às vezes eram lentos e demorados, para, repentinamente, se fazerem rapidíssimos e curtos. Ao palco do coro, destinado exclusivamente aos homens, Bach levou sua prima e futura esposa (Maria Barbara Bach) na condição de cantora. Era um escândalo! Se algo não lhe agradava, Bach pedia demissão e partia para outro lugar. Em determinada ocasião, o pedido de demissão não foi aceito e ele ainda foi aprisionado por um mês. Tendo parado de lecionar aos 55 anos, Bach teve seu efetivo reconhecimento público aos 62 anos, quando, em Potsdam, nos salões de Frederico II, foi respeitosamente acolhido pelos nobres e aplaudido, improvisando, em um velho cravo, a partir de temas sugeridos pelo rei. Já quase cego, ele produziu sua última obra intitulada “A Arte da Fuga”. Nunca devemos nos limitar culturalmente, talvez o pop me faça “balançar”, mas entender a beleza de obras como a “Paixão Segundo São Matheus”, “Concertos de Brandenburgo” ou “A Paixão Segundo São João” é revelador e inspirador. Ou, então, no momento necessário, baixar a tensão com a musicalidade de alguma das lindas sonatas de Bach. O segredo está sempre na diversidade da formação do conhecimento – a visão geral que permite a formação do interesse individual fundamentado. Boas músicas, independente do ritmo ou estilo, são memórias. Nas terças-feiras, durante o verão, havia concertos, às 19hs, na Catedral de Köln (Alemanha), e me lembro da emoção, ao ouvir ecoar naquela nave gigantesca, com instrumentos e coral, a peça “Jesus e Alegria dos Desejos Humanos”. O corpo arrepiou e os olhos marejaram. Não me faltam momentos e suas músicas, assim como seus cheiros, sabores, … A vida também é sonoridade. Deixe o preconceito e ouça um pouco de tudo.