“O sonho eu tinha e sabia como poucos dominar as paragens …” (Antonio Niddan)
Dando sentido à vaidade, vejo com reserva os que proclamam seus feitos, não porque os veja menos gloriosos, mas porque o tempo passa e o que fica é a sensação de um vazio que eu não consigo carregar nas dobras de um blusão. Ainda criança, de compleição fraca e sempre doente, não podia contar com os atributos de um semideus, veloz, altivo, poderoso e transbordante. Seria preciso buscar em outras fontes a razão daquela existência sofrivelmente diminuta, visto não ter o apoio dos seres que saltitam e vencem léguas, desbravando mundos e explorando terras. O sonho eu tinha e sabia como poucos dominar as paragens, afinal, fora treinado para obedecer e ser disciplinado, sob o risco do castigo que viria nunca soube muito bem de onde. Sei que, da cama de palha, eu podia avistar o céu com suas infinitas estrelas. Bastava, para mim, a fixação na mais brilhante e lá ia meu corpo a vagar por terras nunca vistas por ninguém. Tantas foram as viagens que, passado o tempo, percebi que não podia continuar acreditando naquele feixe de luz, na possibilidade do sonho, na transmutação das coisas, porque a imagem era tão poderosa quanto fluida, e a depender de outras situações, elas não se complementavam, mas ressurgiam, aumentando as paragens e me deixando louco com o tanto que podia adquirir. Cheguei mesmo a não acreditar mais nas forças divinas, o que me fez ser destemido e corajoso, alguém capaz de criar outros mundos caso o mundo habitável não estivesse do meu agrado. Não sem espanto, vi a razão bater asas, como se estivesse a me abandonar, deixando em seu lugar a soberba, majestosa, ocupando um lugar não reservado a ela, a princípio. A mudança se fazia necessária. Daí para a escrita, daí para o recorte espacial, daí para a captação do real, daquilo que fosse acessível aos olhos por longos anos e que fosse de fruição inconsútil, cheguei à docência, à Literatura, razão dos meus ais, sem a qual não posso mais.