“Não sei qual é a maior tentação, se a necessidade, se a cobiça.” (Padre Antônio Vieira)
A cobiça teria por significado o desejo ardente de possuir ou conseguir alguma coisa, ou seja, ambição. Todavia, a cobiça tem um aspecto de duvidosa moralidade, pois se pretende aquilo que já pertence a alguém. Ou seja, há o desejo sobre o alheio. A cobiça difere da necessidade, pois ela, em geral, gera inveja. A cobiça se dá não por necessidade, mas por quase soberba. O budismo considera que a cobiça é o perigo por excelência da criatura humana. Ela pode dominar as pessoas. Na filosofia grega, Epicuro lembra que: “Queres ser rico? Pois não te preocupes em aumentar os teus bens, mas sim em diminuir a tua cobiça.” E Fedro dizia que “perde merecidamente o próprio quem cobiça o alheio”. Também aos olhos da cristandade, em seus primórdios, a cobiça era um grave pecado. A Igreja primitiva atuava e crescia com base nas “7 obras da misericórdia”, que tinha orientação nas palavras de Cristo: “Porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; fui peregrino e me acolhestes, estive nú e me vestistes, enfermo e me visitastes, estava na cadeia e vieste me ver”. (Mt 25,35). A esses seis cuidados identificados por Cristo a igreja inclui um sétimo: cuidar dos mortos. Nessa mesma igreja primitiva, entre os séculos III e VI, surgiram homens e mulheres que seguiram para regiões desérticas (Palestina, Síria e Egito), vivendo monasticamente. E, então, a cobiça era um pecado gravíssimo. O décimo mandamento (“Não cobiçar as coisas de seu próximo”) não era passível de flexibilidade interpretativa. Para tais monges, o jejum era um caminho para se vencer a cobiça, porquanto significaria aguentar conscientemente a carência. Interessante que, seja em Marx (“Assim todas as paixões e atividades são tragadas pela cobiça.”) ou seja em Gandhi (“Há o suficiente no mundo para todas as necessidades humanas, não há o suficiente para a cobiça humana.”), há uma condenação à cobiça. Mesmo assim, temos nos deparado com uma certa normalidade em comportamentos despudorados de cobiça, seja por poder político, religioso ou econômico. No Brasil, detectamos isso em qualquer jornal, revista ou telejornal. Uma cobiça que não é falha só no fim almejado, mas também nas práticas para alcançá-lo. Vale a lição de Chaplin: “A cobiça envenenou a alma do homem, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios.”. Pelo menos os últimos 20 anos da política brasileira são exemplos claros de cobiça, seja pelos conchavos, infidelidade partidária, corrupção, privilégios, … “A ignorância, a cobiça e a má-fé também elegem seus representantes políticos.” (Carlos Drummond de Andrade). O mais assustador é que se a cobiça como pecado ou imoralidade passa a ser aceita pela sociedade, ela se torna um comportamento normal. Aliás, vislumbramos a cobiça em atos de grupos religiosos que vivem tentando angariar dizimistas e não necessariamente fiéis. E aí, para tudo se agravar, nós deparamo-nos com “coachers”, autores de autoajuda, “influencers” e outros defendendo e sugerindo a cobiça como comportamento saudável. Me pergunto que sociedade é essa que defendem, onde faltam condutas morais e éticas? Como garantir civilidade e urbanidade quando a cobiça é ato determinante de arrojamento profissional? Como falar em democracia, quando a cobiça pelo poder permite o descasamento das promessas de campanha? Como falar em cuidado pastoral, se a cobiça pelas ovelhas é maior que seu trato espiritual pelos pastores? Vê-se que caminhamos mal e podemos identificar porque estamos e onde estamos. É tempo de repensar conceitos de moralidade e exigir mais integridade, moral e ética. Difícil? Não! É extremamente necessário.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Pe. Antônio Vieira, Epicuro, Fedro, São Mateus, Karl Marx, Gandhi, Charles Chaplin, Carlos Drummond de Andrade