“A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo” (Fernando Pessoa)
A liberdade é um dos nossos maiores e mais valiosos bens e nem sempre damos o devido valor a ela. Talvez porque, em geral, a exercemos de forma ampla e natural. Pois bem, outro dia, cheguei do trabalho me sentindo meio mal, como se estivesse ficando gripada. Imediatamente, busquei me isolar, para evitar contagiar o meu filho que mora comigo e que, assim como eu, tem levado muito a sério a pandemia e o isolamento. Nesta mesma madrugada, já estava ardendo em febre e com todos os sintomas de uma forte gripe. Fiquei muito assustada. Será que eu estava infectada com o coronavírus? Mas, como isso pode acontecer, se eu era tão cuidadosa? Mil perguntas, nenhuma resposta e muito, muito medo. Passado este primeiro impacto, respirei fundo e comecei a adotar as medidas necessárias. O mais importante era manter isolamento; buscar orientação médica e fazer o teste para saber se eu realmente estava com covid. E as minhas suspeitas se confirmaram… Imediatamente, alertei as pessoas mais próximas com quem havia tido contato e me isolei totalmente no meu quarto. E, deste modo, me vi, de repente, sozinha, trancada no meu quarto, recebendo comida e bebida pela varanda, falando com o meu filho através de janelas e portas fechadas. Me vi perdida numa profusão de sentimentos e pensamentos: medo de ter a manifestação mais grave da contaminação; medo de ter infectado pessoas; medo de ter que ser internada; medo da morte; mas, também, alívio por já contar com a primeira dose da vacina e gratidão por poder contar com a família e amigos neste momento de vulnerabilidade. Neste período de isolamento recebi carinho, telefonemas e mensagens fofas e preocupadas, além de mimos e gostosuras – bolo, salgados, lanchinhos variados… Estar no conforto da minha suíte, cercada de todo esse cuidado, com acesso a médicos, hospitais, medicamentos… Um privilégio, né? Mas e as pessoas que não têm e não podem contar com essa estrutura? Triste realidade. E todos os que morreram à espera da vacina ou de internação? A sensação de indignação é inevitável. Acabei optando por fazer um isolamento prolongado (15 dias em detrimento dos 10 preconizados pela maioria dos médicos atualmente) e, neste período experimentei diversas sensações: “oba, vou ficar deitada, descansando, sem fazer nada”; “nossa, ainda faltam muitos dias para isso acabar”; “que saudade de estar perto das pessoas e sair de casa”… Mas sempre que batia um desânimo, procurava espantar o baixo astral e pensar, empática e agradecidamente, que a minha situação era, de certa forma, bastante confortável. Acho que o pior dia foi o do aniversário do meu filho (esse que mora comigo). Sem abraços, beijos ou comemorações. E eu fico me perguntando, que vírus maluco é esse, de um poder letal e de contágio absurdo, que reverteu a ordem no mundo todo! De uma hora para outra, fomos privados do convívio social, o uso de máscara e o distanciamento foram severamente impostos, o trabalho se transformou em home office para a maioria das pessoas… Hospitais lotados, milhares de infectados, milhares de mortes. O novo normal, já não é mais tão novo assim e veio para ficar, apesar de ninguém gostar dele! Com tudo isso, veio também, a crise econômica – milhares de desempregados e falidos. Todos nós fomos, de uma ou de várias maneiras afetados por esta maldita pandemia. Mas, sejamos justos também. Bendita vacina! Ela salva vidas! Eu deixo, aqui, meu agradecimento e homenagem a médicos, cientistas, enfermeiros, voluntários, enfim, todas as pessoas que, por obrigação de ofício ou ato de desprendimento e coragem, se colocaram incansavelmente na linha de frente no combate ao vírus. Deixo, também, meus mais profundos sentimentos àqueles que perderam entes queridos (e eu me incluo neste rol) e minhas orações para os que partiram. Carlos Drummond de Andrade falou, certa vez, que “não importa a distância que nos separa, se há um céu que nos une” – parece perfeito para o momento que vivemos. Dentre todos esses sentimentos que relatei, um deles não pode faltar, nunca; a esperança. E também a certeza de que temos que aprender com tudo isso. Temos que nos reinventar para virar esse jogo! Todo mundo e cada um de nós é responsável por isso. Então, finalizo minhas reflexões dando voz e razão ao Dr. Drauzio Varella: “Essa pandemia vai passar. Se cada um fizer a sua parte, vai passar mais depressa”.
Autor: Márcia Siqueira
Autores citados: Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Drauzio Varella