QUEM PODE TE DIZER O QUE LER?
“Um clássico é algo que todos queriam ter lido mas que ninguém quer ler.” (Mark Twain)
Eu só gosto da leitura não ficcional. Tenho dificuldade com outros gêneros literários. Parece duro ler isso logo no início do texto. Mas é isso mesmo. Exige-se muito que todos tenham conhecimento dos romances de autores famosos para ser considerado uma pessoa culta e acolhida nos espaços e circuitos intelectualizados. Essa nunca foi a minha meta, porque sempre me sentia inferior às pessoas que ali estavam. No início, não me incomodava, entretanto, fui sentindo o peso dessa imposição ao longo da minha jornada. Mas deixa eu contar um pouco sobre essa dificuldade que tenho. O primeiro capítulo da minha experiência literária começa quando minha irmã fazia força para eu ler um livro que meu avô deu a ela. Minha irmã sempre gostou de ler e estudar. Minha oposta. Ela dizia que seria um ótimo início e que, em breve, eu estaria lendo outros. O dito livro é o “Memórias de um cabo de vassoura”, de Orígenes Lessa. Acho que eu devia ter uns 9 anos de idade. Eu lembro que lia algumas palavras e, depois de uma ou duas páginas lidas, eu guardava o livro e deixava esquecido na estante por semanas. Foi assim durante algumas tentativas. Contudo, permitam-me um parêntese: durante este exercício de escrever sobre minha experiência literária, olhando para trás, eu percebi que até hoje eu não terminei a leitura deste livro. E agora, na fase adulta, buscarei fazer essa leitura o quanto antes. Mas voltando ao assunto, minha dificuldade de leitura se dá por eu ser uma pessoa com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Sofro muito com isso, mas tenho minhas técnicas para conseguir ludibriar as barreiras impostas. Ansiedade, falta de concentração, impulsividade, variação no humor, inquietação e milhões de pensamentos ao mesmo tempo estourando no cérebro como pipocas no microondas, pulverizando o pensamento com tudo, menos com o que devo me concentrar. Neste sentido, fica difícil o entendimento daquilo que se lê. É comum sofrer com a dislexia — meu caso. Não há como impedir esses sintomas, apenas minimizar. É instantâneo! Acontece desde o momento que acordo de manhã e vai até a infeliz dificuldade de se pôr a dormir de novo à noite. É assim todos os dias, o cérebro não pára. Às vezes, eu fico nervoso com isso e chego a desenvolver esgotamento mental. Para os outros, parece bobagem, no entanto, para nós, TDAHs, não é nada fácil ter que lidar com isso o tempo inteiro. Eu chegava a chorar por não conseguir entender e ou por esquecer o que acabara de ler. Nas leituras em grupo na escola, enquanto todos já estavam no fim da segunda página, eu ainda estava tentando ler e entender o primeiro parágrafo da primeira página. Ainda hoje sou muito lento na leitura e entendimento do que leio. Não consigo ver filmes legendados, porém, confesso que a meditação me ajudou muito. Essa prática me auxiliou no controle de todos os sintomas. Só que, infelizmente, na época da escola, eu não conhecia esse método. Sempre estudei em escolas públicas e parece estranho escrever sobre grupos de leitura nestas instituições de ensino que hoje encontram-se sucateadas, mas eu sou de uma época em que as escolas públicas funcionavam um pouco melhor do que as de hoje. Tinha as matérias de português e literatura. E nesta segunda, éramos obrigados a estudar a história da literatura, seus movimentos e conceitos. Eu achava aquilo tudo muito chato. Leitura cansativa, longa e, quando eu acabava de ler toda a narrativa descrevendo a cena no romance, tinha que reler tudo de novo, pois esquecia o que havia lido minutos antes. É, sou assim. Trovadorismo, Humanismo, Classicismo, Barroco, Romantismo, Realismo, Naturalismo e Modernismo, são alguns dos movimentos literários que tive que estudar. Dá para imaginar como foi sofrida a minha passagem pela escola, né? Todavia, levando em consideração o nível de aprendizado no ensino público de hoje, penso que éramos felizes e não sabíamos. E olha que reclamávamos bastante da baixa qualidade. Mas não tinha jeito, eu tinha que estudar tudo aquilo se quisesse “passar de ano”. E convenhamos, essa literatura é pouco atrativa para jovens, sobretudo, nos dias de hoje, onde tudo tem que ser rápido, ágil e sem rodeios. Acho importante o posicionamento do Rapper Emicida, que diz que é fundamental levar a leitura de quadrinhos para as escolas, porque, segundo ele, essa literatura comunica de forma mais direta com os jovens. Ele mesmo diz que aprendeu a gostar da leitura a partir destes textos. Concordo plenamente. Confesso que os Contos me atraem muito mais. Por exemplo, eu comecei a me interessar pela leitura quando fui trabalhar profissionalmente no teatro. Foi quando minha vida mudou. Eu tinha uns 19 anos de idade. Tarde, né? Mas foi só com essa idade que eu pude escolher o que ler. E consequentemente, eu só buscava ler aquilo que me agradava, exatamente o que propunha o Emicida. No entanto, neste novo cenário da minha história, continuei sofrendo com as consequências do TDAH. Agora, tendo muita dificuldade para memorizar os textos no teatro. Ainda assim, essa limitação não me parou. Eu, modéstia à parte, cheguei a concorrer ao prêmio de melhor ator na primeira Mostra de Teatro da Faculdade Veiga de Almeida na década de 1990. Isso aconteceu num momento muito difícil, porque perdia uma pessoa muito importante na minha vida. Só que essa é uma outra experiência para os próximos capítulos. Termino aqui com a frase de Johann Goethe: “Muitos não sabem quanto tempo e fadiga custa a aprender a ler. Trabalhei nisso 80 anos e não posso dizer que o tenha conseguido.”.
Autoria: Anselmo Costa
Autores citados: Mark Twain, Orígenes Lessa, Emicida, Johann Goethe
Foto: flickr.com
Oliver