“A ganância humana não dá tréguas e desconhece limites. A sociedade americana considera o dinheiro um assunto muito mais sério que a própria morte, o que torna dificílimo conseguir alguma coisa a troco de nada.” (Charles Bukowski)
O termo gana significa ganho, aumento, impulso, e tem sua origem na palavra guerreiro. A ganância é a extrapolação da gana. Ou seja, o excesso. E como lecionado por Aristóteles, São Tomás de Aquino e Anselm Grün, se há excesso, existe a perda do justo meio – do equilíbrio que garante a virtude. Assim, a ganância envolve a ânsia por ganhos exorbitantes, se traduzindo em avidez, cobiça e cupidez. Ela se diferencia da ambição, pois esta, em tese, pode envolver o desejo de alcançar algo positivo, ainda que, mais das vezes, seja vinculada a um sentido negativo e materialista. A ganância tem o poder de extrapolar o egocentrismo, fazendo com que o indivíduo não mais tenha limites ou freios, sejam morais, éticos ou sociais. Tudo vale para o alcance do ganho pretendido. A ganância tem sido um dos elementos marcantes da vida brasileira, nos últimos 60 anos. E, dentro de seu avanço, podemos ver muitos dos fatos e características que foram se vivenciando e percebendo em tal período. Por exemplo, a política deixou de ser o ambiente do consenso, do bem comum, da ideologia, para ser o palco da busca das fortunas privadas a partir do dinheiro público e dos privilégios mediante as más ações. A corrupção virou, como que, uma gincana onde se disputa quem desviou mais dinheiro; dinheiro impossível de se gastar em uma única vida. Na religião, a ganância elevou o diabo ao mesmo patamar de Deus, e, longe da teologia, estabeleceu grandes corporações para ganho financeiro baseadas na promessa de milagres, curas e mesmo obtenção de interesses obscuros, imorais e indevidos. E isso não se restringe ao neopentecostais, verificando-se em alas da igreja tradicional, bem como, em religiões de origem africana e orientais. Também nas relações pessoais e familiares, a ganância ganhou espaço, e não nos faltam exemplos de lutas por herança, ou mesmo crimes, bem como traições e outros malfeitos em detrimento à amizade. Mas, a crença que nada pode piorar é uma negação da vilania que pode acometer o homem. Com a chegada da pandemia, acreditava-se numa mudança de cenário, com mais solidariedade, menos egocentrismo, resgate do valor da vida humana, … Eu tinha esse discurso, mas não deixava de lembrar a lição de Saramago em “Um estudo sobre a Cegueira”. Parece que Saramago tem razão e a visão de Bukowski não se encontra circunscrita à sociedade americana. A ganância, aliada à vaidade, nos presenteou com a banalidade da morte. Foi-se muito além da teoria da banalidade do mal, traçada por Hannah Arendt, não nos faltando “Eichmanns” em Brasília e por todo o Brasil. A sociedade brasileira, que falava indignada de 800 mortes por dia na Itália, pouco se dá para os mais de 500.000 brasileiros mortos. Há uma pandemia e pandemias matam, mas a pergunta que resta é: “O que foi feito, ou não, para se evitar ou minorar essa hecatombe?” Eu perdi amigos e familiares, portanto, (eu) tenho o direito, como qualquer cidadão que paga impostos, de fazer essa pergunta. E há um dever legal de ser respondida claramente, e, se não o é, já há grave indício da ocorrência de genocídio. Como comprovar que foi feito o correto? A adoção das medidas indicadas pela ciência. Mas essa pergunta é feita dentro do aspecto do humanismo e não da politicagem barata e conjuntural da oposição oportunista. Vai ser respondida? Não sei? O Brasil não dá satisfação aos brasileiros, que pagam a vida fácil de seus políticos! Todavia, resta esse gosto amargo e constrangedor de não poder negar que tipo de sociedade temos por aqui, bem como a pouca perspectiva de dias melhores. A falta de empatia, compaixão e justiça, mostra que já não se pode mais dizer que Deus é brasileiro. Afinal, como diz Carl Rogers, “ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele”.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Charles Bukowski, Aristóteles, São Tomás de Aquino, Alsem Grün, José Saramago, Carl Rogers