“Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo.” (Voltaire)
Me lembro de quando, lendo Ferry, me deparei com o entendimento de que a diferença entre Filosofia e religião estava no fato de que, na primeira, se busca o entendimento da salvação por si mesmo, enquanto, na segunda, a salvação estará nas mãos de um terceiro, geralmente um ente divino. Isso explicaria porque não existiria uma filosofia religiosa. E, não por outro motivo, a filosofia clássica só teria prosseguimento com a moderna a partir de Descartes. Mas como negar o caráter estóico de São Paulo? Não cabe esquecer a lição do ateu Pondé sobre o encontro de Atenas e Jerusalém, mostrando que, em um determinado momento, religião e Filosofia se encontram e se envolvem, nesse meio tempo. Difícil não reconhecer o caráter filosófico em Santo Agostinho ou São Tomás de Aquino. Neste momento, minha dúvida sobre o quão distante ou o quão próximo podem estar Filosofia e Teologia pulula. São Tomás de Aquino falava sobre a tarefa do teólogo: “estudar Deus e sua revelação e, em seguida, todas as demais coisas “à luz de Deus” (sub ratione Dei), pois Ele é o princípio e fim de tudo”. Aliás, para ele “o estudo da filosofia não tem por objeto saber o que os homens pensavam e sim qual é a verdade das coisas”, sendo que “a verdade é a adequação entre a coisa e o intelecto”. Parece haver aqui, desde já, uma contradição, mas talvez seja essa linha tênue, que faça com que tantos estudiosos da Teologia tenham se tornado ateus, como no caso de Umberto Eco, que acabou cunhando famosa frase: “Justificar tragédias como “vontade divina” tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas.” Aliás, Ludwig Feuerbach nos ensina que “sempre que a moralidade baseia-se na teologia, sempre que o correto torna-se dependente da autoridade divina, as coisas mais imorais, injustas e infames podem ser justificadas e impostas”. Vemos isso desde o nazismo (chegava-se a justificar a morte dos judeus por eles terem imolado Jesus Cristo) aos bizarros dias de hoje com seitas e fanáticos neopentecostais. Neste último exemplo, talvez seja injusto falar em Teologia; estaríamos mais próximos da presunção do saber teológico. Valem aqui dois grandes pensadores: Martinho Lutero (“A medicina cria pessoas doentes, a matemática, pessoas tristes, e a teologia, pecadores.”) e Santo Agostinho (“Conhece-se melhor a Deus na ignorância.”). Na verdade, a Teologia (theos+logos) deveria ser um estudo sistêmico (crenças religiosas, doutrinas e tratados fundamentais) sobre a divindade, sua essência, atributos e existência, podendo abranger entendimentos cristãos, islâmicos ou judaicos. Esse estudo da existência de Deus, conhecimento da divindade e questões a ela relacionadas, bem como suas relações com a humanidade, não pode se desvincular de verdade, essência da verdade, fé ou caminho da verdade, pois aí está o significado de Deus, pela palavra grega “theos”. E tudo isso ainda mais aflige minha reflexão, pois racionalizo muito e filosofo, mas tenho fé e busco entender a essência verdadeira de Deus, teologicamente. E nessa busca de entendimento, me alinho a Alphonse Karr (“Eu creio no Deus que fez os homens, e não no Deus que os homens fizeram.”). Minha dúvida persiste e talvez nunca se desfaça. Talvez ela tenha por fim exatamente me manter em constante reflexão e estudo. Não que isso deponha contra mim, pois aprendi com Aristóteles que “o ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete”, e me aconselho com São Tomás de Aquino (“Toma cuidado com o homem de um só livro.”) – prova de que me servem a Filosofia e a Teologia.
Autor: Fernando Sá
Autores citados: Luc Ferry, Luiz Felipe Pondé, Descartes, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Humberto Eco, Ludwig Feuerbach, Martinho Lutero, Alphonse Karr, Aristóteles