“Não avalie um ser humano pelas roupas que veste, tampouco uma alma pelo corpo que a limita”. (Mauricio Martins da Silva)
“Assim é (se lhe parece)”, cujo título original é Così è (se vi pare), é obra-prima do autor italiano Luigi Pirandelo, apresentada pela primeira vez no início do século XX. Assisti a uma das peças feitas com base nesse texto. A montagem era de 1985 e tinha tradução de Millôr Fernandes. O elenco contava com Sérgio Britto, Natália Timberg, Yara Amaral, Ary Fontoura, Cristina Pereira, Vic Militello, Henriqueta Brieba e José Wilker. Ah sim… a direção era de Paulo Betti. Nela, os personagens discutiam, a partir de situações cotidianas, suas visões e interpretações de acontecimentos, bem como suas percepções sobre eles próprios. De forma magistral, Pirandelo mostrava como cada um podia interpretar cada situação, e enxergar cada personagem envolvido, de forma completamente diferente, baseado essencialmente em alguns fatos, mas não todos, e em seus sistemas de crenças, valores e princípios, produzindo retratos completamente diferentes uns dos outros, criando cada um a sua verdade e defendendo-a com convicção. Situação parecida podemos viver em nosso cotidiano, quando nos deparamos com alguém que não pensa como nós. Mas não vou entrar por esse enfoque, tão polêmico em dias de polarização exacerbada. Prefiro abordar outro viés, mais direto e objetivo, qual seja, o das pessoas que se diferenciam por apresentarem necessidades especiais. Aqueles que são diferentes de nós não por opção. Lembro que eu ainda estudava no ensino fundamental, antigo ginásio, e tinha uma amiga com deficiência visual. Ela era muito inteligente, e carregava uma maquininha estranha, que algum tempo depois vim a saber se tratar de uma máquina para escrita em Braile. Como criança que era, apenas lamentava que ela não podia brincar de pique bandeira com a gente. Também tinha um menino, amigo de uma de minhas primas, que dependia inteiramente de cadeira de rodas para se locomover. Nós nos encontrávamos em quase todas as festas de aniversário da família, quase sempre na Tijuca ou Copacabana. A gente sempre o levava para nossas brincadeiras, e tentávamos fazer com que participasse… ainda que adaptássemos algumas regras. Fico me perguntando se éramos bons com ele, mas acho que, 50 anos atrás, não tínhamos completa consciência sobre tudo e é provável que fizéssemos piada com uma ou outra limitação, dele e de outros amigos “diferentes”. Aliás, o “bullying” era quase uma obrigação entre amigos, uma espécie de rito de iniciação. Revisitando essas memórias, percebo o quanto essa discussão evoluiu positivamente, embora ainda esteja longe do ideal. Penso que precisamos abandonar os estereótipos circunstanciais e procurar avaliar as pessoas não pela sua aparência ou suas limitações físicas. Precisamos tentar perceber a alma do outro, buscando no meio dos fatos e das aparências a essência de cada um, evitando cair em armadilhas, como as apresentadas no texto de Pirandelo. Somente assim, abrindo mão de avaliar o próximo com base em uma primeira impressão, poderemos construir as pontes que nos remeterão a uma sociedade mais justa e igualitária. Não é importante se a pessoa tem vitiligo, se tem psoríase, se é obesa ou se lhe falta uma perna. O que realmente importa é sua lucidez e sua capacidade de conduzir sua vida de forma plena e cidadã. As limitações que realmente devem nos preocupar são a falta de educação enfrentada por essas pessoas, e da falta de respeito ao próximo. Neste sentido, cada um de nós precisa contribuir para este objetivo, por vezes com o básico, evitando estacionar em rampas de acesso, em vagas de deficientes, promovendo inclusão social ampla no trabalho, evitando piadas discriminatórias e, principalmente, apoiando toda e qualquer iniciativa do poder público que busque eliminar diferenças criadas, seja pelo motivo que for. Afinal de contas, como disse a menina afegã Malala Yousafzai, “a diversidade promove a tolerância. Quando você não encontra pessoas diferentes, não percebe coisas, não percebe o quanto tem em comum com elas”. É como dizem os franceses…vivre la différence.!
Autor: Maurício Martins
Autores citados: Millor Fernandes, Luigi Pirandelo, Malala Yousafzai
Que texto lindo Maurício! Essa questão toca em mim de maneira muito especial e muito direta. Queira ou não, em uma sociedade em que o racismo ainda é estrutural faço parte da categoria dos “diferentes”. Sou aquela que quando chega aos lugares, levo comigo toda a melanina da minha pele, que remete as pessoas a leitura da capa, antes da descoberta do conteúdo. Enfim… temos ainda um longo caminho a percorrer.
Querida Valeria, somos todos iguais, dentro das nossas diferenças! Temos muito a aprender uns com os outros. Muito bom seu testemunho! Obrigado por sua participação! Continue nos seguindo e compartilhe com os amigos.
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