“Quando se tem consciência da importância da vida, se entende que ela não é um dom somente para o prazer individual.” (Fernando Sá)
Existe um horário em que já não se sabe se a noite se foi ou se o dia chegou. Um momento em que o céu parece tingido de todas as cores, onde claridade e escuridão têm sua única chance de namorar. Sentado sobre a pedra fria com os pés úmidos das ondas que chegam, ele se pergunta “- Até aqui, fui bem? – Onde errei? O que consertar?” O momento sublime da reflexão do quanto a vida tem valido a pena, do quanto os caminhos escolhidos têm sido acertados. Caminhos tortuosos só são mais difíceis, mas continuam adequados se, ao final, se alcança plenitude. Mas como todo ser inteligente, ele tem dúvidas: “- Fiz o bem? – Fui justo? – Agi com humanidade?” Quando se tem consciência da importância da vida, se entende que ela não é um dom somente para o prazer individual, mas, sobretudo, para a construção de um bem-estar comum. Por isso, o homem bom não inferioriza ou humilha o próximo; o homem bom se preocupa com o bem-estar do outro, e, sobretudo, o homem bom agradece, pois sabe, que, por pior que seja, há sempre alguém em maior dificuldade. No meio de tantas perguntas, tantos conceitos e tantas premissas, o homem – já iluminado pelo sol que nasceu – agradece e reconhece que a vida é uma luta diária com doses fartas de perseverança, onde cada batalha vencida exige celebração, e cada batalha perdida importa em reflexão e recomeço. Com os pés molhados pela maré já alta, ele diz: “- Que eu possa ser retilíneo no agir! – Que não me faltem empatia, compaixão e misericórdia! – Que eu cumpra meu papel!” A vida só é real, boa e compreensível para quem aprendeu o prazer das coisas que parecem pequenas, como o barulho das ondas, o som das aves recém acordadas em seus vôos mágicos, o calor do sol sobre o rosto e a brisa marinha que o ameniza, um olhar, um beijo, um abraço,… Ser feliz não é o sempre, mas o momento – momento de felicidade ao saber que ele é parte de algo maior e muitas vezes inexplicável. Os momentos mais felizes da vida não são os que podem ser explicitados, mas os que são sentidos. Ele pensa em momentos mágicos, ainda que singelos, e em pessoas que estiveram e estão em sua vida. E eis que os olhos se inundam como o mar à frente e uma lágrima corre. E ele pede: “- Que eu nunca deixe de sentir, que a frieza e a indiferença não concretem meu coração! – Que eu não pragueje! Que eu mais faça do que reclame!” Hora de partir! Ele já ouve os ruídos das crianças que chegam com seus “equipamentos de praia”. Com os pés descalços, ele caminha fofamente na areia em direção ao calçadão. Aquele afundar e forçar o caminhar na areia fofa lembra o movimento diário da vida. Não pode deixar de, no caminho, saudar a barraqueira que já se prepara para um dia de labuta sob o sol e com quem sempre conversa. No calçadão, as bicicletas já correm, como os atletas do raiar do dia. Ele respira fundo, para levar consigo o cheiro do mar. Tempo de começar mais um dia, tentando agir bem, mas sobretudo, com erros e acertos, ser ser-humano e não só ser do verbo existir.