O CAMINHO DO MÍSTICO
“O homem que não tem olhos abertos para o misterioso passará pela vida sem ver nada.” (Albert Einstein)
Em artigo anteriormente postado tive a oportunidade de falar a respeito da minha caminhada em busca da Espiritualidade, e como as religiões com seus dogmas e doutrinas maniqueístas de Bem e Mal, até certo ponto, dificultavam-me nesse trilhar. Annie Besant esclarece a respeito do tema: ” Eis a dificuldade, em todas as religiões: um homem adquire seu modo de ver pela tradição, pelo hábito, pelo nascimento, pela opinião pública, pelo ambiente de seu tempo e de seus dias. Encontra nas Escrituras – que não pertencem a tempo nenhum, a dia nenhum, a época nenhuma e a povo nenhum, mas que são os Vedas eternos – muitos textos que não se adaptam à estreita estrutura que ele elaborou; e por ele, com demasiada frequência, por cuidar mais da estrutura do que da verdade, manipula o texto até conseguir que ele se adapte de um modo desordenado.” Assim, ao invés de unirem, algumas religiões (com suas ideologias e sistema de crenças) serviram para fortalecer a ideia de divisão, ressaltando a falsa percepção do eu nos indivíduos (ego), por meio da qual classificavam a si mesmas como certas e como errados os demais. A partir desse contexto, não consegui me encaixar perfeitamente em nenhuma delas. E nunca pretendi, na verdade. Apesar de reconhecer a beleza e importância, e de ter participado em algumas delas com muito amor e dedicação, meu espírito livre não me permite ficar limitada a nenhuma. Abraço tudo aquilo que faz sentido pra mim, absorvendo com muita gratidão o que cada uma tem de melhor a oferecer. E sempre há, pois segundo os estudos teosóficos de Helena P. Blavatsky, “Toda a religião é baseada na mesma verdade ou ‘doutrina secreta’, que contém ‘ o Alfa e o Ômega da ciência universal”. A despeito disso, acredito que essa busca pelo esclarecimento da Existência cabe a mim conduzir, sem intermediações, sem limitações, o que faz daquele que pensa assim um místico. Tudo perpassa pela compreensão da necessidade premente de autoconhecimento, a fim de percebermos que somos um com o Todo. E foi assim que me aproximei mais e mais das Escolas de Mistérios e Tradições Antigas, que possuem preceitos que se ligam mais ao ser humano, à espiritualidade e à Natureza do que a dogmas. A origem do termo “Misticismo” advém dos escritos de Dionísio no século V, e consagra a filosofia cuja experiência direta e pessoal com a Divindade é realizada sem a figura do intermediário. O místico tem, na figura do Hierofante, aquele mestre espiritual que habita nosso interior, “o intermediário que faz a ligação entre a consciência terrena e o conhecimento intuitivo da lei Divina. ” (Wagner Veneziani Costa). A expressão “Misticismo” é usada na Kabala (Judaísmo), no Sufismo (Islamismo) e no Gnosticismo (Cristianismo). “Místico é todo aquele que concebe a não-separatividade entre Universo e os seres (reino transcendente) ”. (…) O místico busca a presença de um Ser Supremo, ou do inefável e incognoscível, em si mesmo. ” (Wagner Veneziani Costa) Ou seja, para o místico somos todos Um. Trata-se de uma experiência direta e pessoal com a Divindade interior, não havendo necessidade de dogmas ou teologia, posto que essa busca é realizada por meio de experiências intuitivas. Os estudos da Mestra Leslie Temple Thurston sobre o Self (Deus/ Uno) demonstram o estado condicionado de separação em que a maioria de nós, seres humanos, vive e que é gerador de tanto sofrimento: “Por gerações a humanidade moderna tem estado condicionada a manter Deus no exterior. (…) A verdade mística de quem realmente somos, e de como estamos divinamente conectados em nosso interior, é a descoberta de que nunca houve uma “queda” e que não há, de fato, separação ou véus entre cada um de nós e a fonte. Fomos iludidos por uma crença na separação, que tem sido passada através das gerações desde, pelo menos, a lenda de Adão e Eva.” Como consequência desse sistema de dualidade, nossa percepção passou a limitar-se a cinco sentidos, onde passamos a valorizar em demasia a lógica e o raciocínio dedutivo em detrimento de nossas faculdades transcendentais, tais como a intuição, a telepatia, a clarividência, a capacidade psíquica. Para o místico, a verdade é que não precisamos viver nesse estado de ilusão, de separação. Deus não está no exterior. A viagem de volta à consciência da unidade (o Self/ Deus) se dá quando ansiamos descobrir a centelha divina em nosso interior, e essa busca, que no Oriente é conhecida como descoberta do Ser Superior, ocorre de várias formas, a partir de insights, ou mesmo da experiência de dor ao nos sentirmos frustrados, limitados, oprimidos. São oportunidades que temos para lançarmos um olhar para dentro, onde poderemos perceber a “presença da unidade com os níveis mais profundos de nossa consciência, mas não, geralmente, com a mente consciente.” (Leslie Temple- Thurston) É que – como dizem – a mente mente, por isso o “Ser deve ser sentido. Não pode ser pensado.” (Eckhart Tolle). No místico, o processo psíquico transcende as funções intelectuais. A metafísica estuda exatamente essa viagem de volta em direção à unidade (o Self/Deus). “Quando, através da inundação de suas lágrimas, o interior e o exterior se fundirem em um, você encontrará aquele que você procurava com tanta angústia, mais perto que o mais perto, o próprio sopro da vida, a essência de cada coração.” (Sri Anandamayi Ma) Desde tempos imemoriais, videntes e mestres afirmavam que somos todos iluminados, que a presença de Deus é a base de nosso ser, bastando apenas estarmos atentos para reconhecermos isso em nós: “Porque a clareza e a iluminação encontram-se dentro de sua própria natureza, elas são retomadas sem nenhum esforço.” (Lao Tsu) É o que chamamos de “o Cristo interior” (para alguns místicos cristãos), “natureza de Buda” (para budistas), “o atmã”, a essência divina (para hindus). Tudo isso passou a fazer muito sentido para mim, respondendo aos vários questionamentos internos que sempre tive, tendo sido de grande valia para construir as bases daquilo que venho compreendendo e, principalmente, experienciando como Espiritualidade. A importância de fazer a caminhada solitária é retratada na lição do Mestre Eckhart Tolle: “(…), não encontraremos a verdade absoluta se a procurarmos onde ela não está: em doutrinas, ideologias, conjuntos de leis e histórias. O que todas essas coisas têm em comum? Elas se constituem de pensamentos. Na melhor das hipóteses, o pensamento indica a verdade, contudo nunca é a verdade.” Já dizem os budistas que “o dedo apontado para a Lua não é a Lua.” Felizmente, como apregoado por Blavatsky no séc. XIX, hoje em dia há a busca por uma nova espiritualidade fora das religiões institucionalizadas, algo impensável para o Ocidente tempos atrás, lugar onde o controle da mente sempre se deu mais fortemente. Assistimos também a fiéis de religiões tradicionais deixando de lado alguns dogmas e a rigidez do sistema de crenças. A meu ver, isso só vem demonstrar essa ânsia cada vez maior do indivíduo em conectar-se de maneira mais autêntica com o que, para ele, verdadeiramente representa o Sagrado. Representa o início da tomada de uma nova consciência. Mais: é a possibilidade de transformação dessa consciência (iluminação, para hindus e algumas vezes para budistas; salvação, nos ensinamentos de Jesus; fim do sofrimento, para budistas, além de outros termos, como libertação e despertar). Como bem relata Eckhart Tolle: “ …, na essência da nova consciência está a transcendência do pensamento, a recém-descoberta capacidade de nos elevarmos ao pensamento, de compreendermos uma dimensão dentro de nós que é infinitamente mais vasta do que ele. ” Como se percebe, sou mais do que uma entusiasta do Misticismo. Minha visão quanto ao Mistério é holística, integrando cada ensinamento que possa me auxiliar na caminhada de volta à Unidade que realmente sou além da personalidade limitada, em direção a esse despertar. O trabalho de burilamento interno não é fácil, já que vez ou outra nos deparamos com “ciladas” dessa mesma personalidade limitada que “estamos” (sim, “estamos”, pois não somos a personalidade), mas é preciso perseverar. Reconhecer a personalidade limitada é o primeiro passo para isso, pois “A consciência é o maior agente para a mudança.” (Eckhart Tolle). Reconstruir essa conexão com o Divino que há em nós, de maneira autêntica, sem interferências, passeando pelas ricas vertentes de ensinamentos e experiências disponíveis, acessando todas as possibilidades, tudo isso torna essa caminhada ainda mais preciosa e verdadeira. Nesse sentido, trago o ensinamento de Mestre Paramahansa Yogananda, que traduz bem esse meu percurso e sela o assunto: “Não é pela concentração em dogmas que poderemos alcançar Deus e sim pelo verdadeiro conhecimento da alma…Para mim, não existem judeus, cristãos ou hindus; todos são meus irmãos. Eu presto adoração em qualquer templo, pois todos foram construídos em honra de meu Pai.”
Autoria: Adriana Abud
Autores citados: Eckhart Tolle, Annie Besant, Leslie Temple-Thurston, Helena Petrovna Blavatsky, Sri Anandamayi Ma, Lao Tsu, Paramahansa Yogananda.