QUEM É JESUS CRISTO PARA VOCÊ?
“O cristão vive não em si mesmo, mas em Cristo e no próximo. De outro modo, ele não será um cristão.” (Martinho Lutero)
Fui nascido e criado nos preceitos da Igreja Católica, para me tornar ateu na adolescência como consequência de minha opção por uma ideologia política. Amante da obra de Camus, com ele concordava que no socialismo se escolhe pelo histórico e não pelo eterno. Me dobrando às previsões de meu pai, anos após sua morte, retornei à busca de minha espiritualidade – renovação da fé com racionalidade. Na visão da espiritualidade, temo aqueles que, pela interpretação literal, acabam por deturpar o princípio religioso, se tornando julgadores e não aprendizes do servir ao próximo, que é o papel de toda e qualquer religião. Aliás, assim eram os fariseus, que interpretavam o velho testamento sem qualquer senso crítico e passavam a impor normas, restrições e proferir julgamentos, determinando a fé pelo medo do castigo e não pelo amor de Deus. Foi nisso que Jesus os contestou, por ser Ele o cordeiro do último sacrifício, a partir de quem a aliança de Deus com os Homens passou a ser o amor e não o medo. Pelo medo de falar coisas indevidas, sempre li sobre assuntos em que me envolvi, e não poderia ser diferente quando se trata de religião. Lembremos que a base bíblica envolve três religiões (cristianismo, judaísmo e islamismo), e não por outra razão Abraão é o Pai da Fé. Entendo que um livro como a Bíblia, por sua formatação, origem e caminho histórico, precisa ser lido com uma visão histórico-sociológica na busca da essência do ensinamento, para que, só então, se traga o aprendizado obtido para aplicação atual. Obviamente que isso afasta fariseus e fundamentalistas, bem como atrapalha planos de manipuladores religiosos com pretensões econômicas ou de poder. Mas é essa interpretação que me permite ver quem é Jesus, seus ensinamentos e a adoção destes, como exemplo de vida. Para início de conversa, Jesus nunca foi subserviente ou passivo; pelo contrário, suas discussões no templo com os doutores da lei, seus questionamentos aos rabinos e suas ponderações sobre a forma (práticas) se sobrepor a essência (fé) são um sinal disso – Lucas 2:46, Mateus 23. Isso me faz perguntar: como alguém sem livre arbítrio e acomodado como cego seguidor se diz cristão? A ligação de Jesus com o saber está clara desde a visita dos magos (estudiosos, cientistas da época) no seu nascimento até a prova de seus estudos em citações bíblicas – Mateus 2:1, Lucas 4:22. Ser cristão, então, não pode permitir o negacionismo da ciência ou a desvalorização do saber. Ainda que emanasse amor, Jesus tem seus momentos de ira, como todo e qualquer humano, e basta lembrarmos de quando ele expulsa os mercadores do templo (Mateus, 21:12). Portanto, como ser cristão sem convicções e sem lutar por elas? Jesus reconhece em um romano um grau de fé que não via entre aqueles do seu povo, e diz isso na frente de seus discípulos. Essa passagem (Mateus 8:5-13) é tão marcante que ainda hoje, nas missas, se repetem as palavras do romano (“Não sou digno que entreis em minha morada, mas, dizei uma palavra e serei salvo!”). Portanto, quem pode ser cristão quando nega o valor, a fé e os direitos dos outros? Como pode alguém se julgar um cristão melhor ou pior que os outros? Como um xenófobo se dizer cristão? O salmo 146:9 diz: “O Senhor protege o estrangeiro/e sustém o órfão e a viúva,/mas frustra o propósito dos ímpios.” Essa falha clássica dos “cristãos” de enaltecimento em detrimento de outros, ainda que também cristãos, já era tema da obra de John Locke (Carta sobre a Tolerância), em 1688. Onde está a evolução espiritual? Da mesma forma, Jesus fala da preocupação com os órfãos e as viúvas (pessoas mais desassistidas da época), demonstrando que sem caridade não se é cristão (Marcos 12:41-43). Ele também demonstra a importância da amizade quando chora pela morte do amigo Lázaro, a quem depois ressuscita (João 11). Quem não é bom amigo pode se dizer cristão? Mesmo Cristo, sendo filho de Deus, foi tentado por satanás, ou seja, teve a dúvida entre praticar o certo e o errado (Lucas 4). Mas fez a opção devida. Nós humanos encaramos isso por várias vezes na vida e, em muitas delas, erramos. Isso não nos faz indignos de perdão, que foi uma prática apregoada por Jesus (Mateus 18). E, aqui, não podemos confundir o erro com a prática reiterada do mal, pois a isso existe julgamento mencionado por Cristo às mães: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; antes, pranteai, por vós mesmas e por vossos filhos! Porquanto eis que estão chegando os dias em que se dirá: ‘Felizes as estéreis, os ventres que jamais geraram e os seios que nunca amamentaram!” Jesus sempre professou a fé (Lucas 8:22-25), a caridade, o amor e a misericórdia, mas também a justiça (Mateus 5:10 e 6:33). Da mesma forma Jesus sempre separou o Reino de Deus do reino dos homens, o que traz dúvida sobre essa atuação político-partidária de religiosos (Mateus 22:21). E, finalmente, no encontro sozinho com a mulher samaritana, que tinha, ou tivera, diversos maridos, Jesus demonstra (João 4) a inexistência do preconceito. Naquela época, os judeus consideravam os samaritanos uma “sub-raça”; não se falava a sós com uma mulher; mulheres eram seres de segunda classe; e uma “mulher de vários homens” era o resto do resto. A própria mulher fica perplexa com o comportamento de Jesus ao dirigir-lhe a palavra. Mas Jesus se dirige a ela, lhe pede água e lhe dá atenção, em um sinal de quebra de pré julgamentos e “pré-conceitos”. E essa mulher por Sua bondade reconhecerá e professará Jesus como o Messias. Quem são esses supostos cristãos preconceituosos que vemos por aí e dentre os quais alguns se julgam, ainda, no direito de disseminar o ódio e a mentira? Pois é! Você já consegue entender quem é Jesus Cristo para mim! Ele é um exemplo de fé com posicionamento, voltado para a valorização do saber, do livre arbítrio, da independência, do respeito, da justiça, da caridade, da verdade (João 8, 14 e 17), da misericórdia, empatia e compaixão. Esse é o exemplo Dele para que eu conduza minha vida. Como é o seu Jesus? Ele é um exemplo ou um discurso para você?
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Martinho Lutero, John Locke, São Lucas, São Mateus, São Marcos, São João.
Foto: pixabay.com
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