PROBLEMAS DA VIDA PELA CONFUSÃO DE CONCEITOS
“Tanto peca o que diz frases latinas diante de quem as ignora como o que as diz ignorando-as” (Cervantes)
Ainda que eu esteja longe de ser um purista, por força de minha formação acadêmica, estudei o que chamamos de hermenêutica do direito, ou seja, como interpretar as leis. Existem algumas regrinhas básicas que deveriam ser aprendidas por todos, para facilitar suas vidas. São elas: em primeiro lugar, as palavras têm o significado do vernáculo (ou seja, simplificando, as palavras representam a definição contida nos dicionários da língua/idioma), e, em segundo, nenhuma palavra tem uso desnecessário (se a palavra foi utilizada, ela deve ser levada em conta na interpretação). O atendimento dessas regras facilitaria sobremaneira a comunicação. As pessoas dizem algo querendo dizer outra coisa, e, quem recebe, ouve de uma terceira forma, para, às vezes, interpretar de uma quarta forma. Valem as palavras de Millôr Fernandes: “Só depois que a tecnologia inventou o telefone, o telégrafo, a televisão, a internet, foi que se descobriu que o problema de comunicação mais sério era o de perto.” Vejamos alguns problemas com os quais nos deparamos (vivenciando ou assistindo) diariamente. Não entrarei aqui na quebra de objeto (uso por intenção) de cada palavra consoante a Teoria do Jogo das Palavras de Wittgenstein. Pelo contrário! Por exemplo, ser volúvel e ser flexível não é a mesma coisa. Valho-me da lição de Cortella : “Ser flexível é diferente de ser volúvel. O volúvel muda de postura a qualquer momento, em função de movimentos ou “ventos” que não entende. Já a pessoa flexível é aquela capaz de alterar a própria convicção ou rota a partir de uma reflexão que leve em conta o diverso ou o inédito.” Ao contrário do volúvel, a pessoa flexível não altera seus valores básicos e princípios. Outra situação? Prontamente e imediatamente não são sinônimos. Imediatamente é o modo de realizar ou acontecer nesse exato momento, ou seja, já. Enquanto que, prontamente, significa fazer ou acontecer quando for possível (quando estiver pronto para acontecer ou ser feito, quando houver condições para acontecer ou ser feito). Já vi confusões jurídicas oriundas da execução de um contrato onde ocorreu má interpretação, por confusão, desses conceitos antes da assinatura do documento. Do mesmo modo, compreender e aceitar são coisas diferentes. Compreender significa que você tem conhecimento (ciência, inteligência) efetivo do assunto, enquanto aceitar significa que você concorda com o assunto. Você pode compreender e não aceitar. Mas, como ensina Cortella, aceitar ou rejeitar antes de compreender é preconceito. Na verdade, quem compreende respeita, ainda que não aceite; pois, também, aceitar e respeitar não são sinônimos. Um exemplo às avessas? Na última eleição vimos um grande grau de abstenção. As pessoas acham a política suja. Mas elas querem respeito à sua cidadania. Pois é, mas política (origem grega “polis” – cidade) e cidadania (origem latina “civitatem” – cidade) são a mesma coisa. A diferença está em politizar e partidarizar. A política é o meio de garantir a cidadania, representada pelo bem comum, igualdade social e dignidade coletiva. Partidarizar significa adotar uma linha de fazer política, o que, em tese, envolveria uma linha ideológica (o que não parece ser exatamente a realidade brasileira). Importante diferença existe entre humildade e subserviência. Humildade, assim como humanidade, vem de “humus” (terra, origem). Ou seja, ser humilde envolve reconhecer sua igualdade (por igual origem) perante o outro e a possibilidade de, com ele, aprender, assim como ensinar. Por isso a frase famosa de Sócrates (“Só sei que nada sei!”) denota sua humildade e não falsa modéstia (que não é virtude). Subserviência significa se submeter à vontade alheia, sem senso crítico (Eu faço porque me mandam! Obedeço porque tenho juízo!). Não pense, porém, que isso afasta sua responsabilidade pelo ato. Aliás, essa é a linha de defesa do criminoso nazista Eichmann em seu julgamento (Fiz porque mandavam. Se não fizesse, outro faria!) e que gerou a Teoria da Maldade, de Hannah Arendt. Obediência também não é subserviência, pois a primeira respeita limites éticos e morais. Canso de ouvir reclamações, e eu próprio as faço, com relação às crianças. Falta de limites, educação, respeito, afetividade, … além de se tornarem – e várias se tornaram – adultos dependentes psicológica e economicamente de seus pais e, eventualmente, de companheiros e companheiras. Quando se trata de criar filhos, firmeza não é brutalidade! Firmeza é a “capacidade de não transigir e abrir mão daquilo que precisa ser tomado como tarefa por quem tem, sim, a responsabilidade de fazê-lo” (Cortella). E aqui vemos existir outra confusão de conceitos que envolve autoridade e autoritarismo. Autoridade existe e deve ser exercida. Autoritarismo é desvio de autoridade. Crianças criadas sem imposição de responsabilidade, sem noções de afetividade e amorosidade, focadas em ganhos e compensações materiais, não se tornam pessoas e sim problemas. Não esqueça: quando se cria um monstro nem sempre você conseguirá alimentá-lo e, então, ele se alimentará de você. Mas você quer realizar todos os sonhos de seu filho, e dar a ele o que você não teve! Não confunda sonho (desejo realizável) com delírio (desejo sem possibilidade)! Outro aspecto grave é que quando crianças assim “educadas” chegam à idade adulta, e quando conseguem conhecer afetividade (Pondé duvida disso), elas se enganam com amores imaturos (baseados na necessidade) e não vivem amores maduros (fundamentados na amorosidade). Haja frustração a partir do erro de criação e, quando o sujeito é esperto, dinheiro para terapia! Mais uma conta do seu filhote para você pagar … Seguindo, imprevisível, imprevisto e imponderável são coisas completamente distintas. Imprevisto é aquilo que você tem controle e deixou de prever. Imprevisível é aquilo que seria inimaginável e, portanto, você não poderia prever. Imponderável é aquilo que, ainda que previsto, teria baixa chance de ocorrer, mas ocorreu de forma inevitável. Simples e simplório também não são termos iguais. O homem simples não se vale do inútil. O simplório é a pessoa tola ou ingênua. Ser simples envolve inteligência para identificar o útil e o inútil. Portanto, ser simples não significa ser inferior intelectualmente. A inteligência está na diferenciação, também, de outros dois conceitos usados de forma idêntica em clara confusão: aceitação e reconhecimento. Aceitação é ato de inteligência. O homem é ser gregário e necessita viver em grupo; para tanto, tem de ser aceito pelo grupo. Ele, de forma inteligente, faz concessões (caráter temporário) para ser aceito pelo grupo que sempre tem diversidade. Já o reconhecimento envolve ter, a partir do grupo, sobre si, um retorno, seja econômico, seja por admiração, baseado em algum ato ou prática sua. Cuidado! Pois aqui pode haver sentidos positivos ou negativos para aceitação e reconhecimento, ou seja, questões éticas podem estar em jogo. Ser aceito em um clube ou em um bando. Ser reconhecido como virtuoso pianista ou como um degenerado vilão. E ao falarmos de ética, podemos encerrar com uma última confusão mais pragmática do que conceitual: fundamental e essencial. O essencial envolve sentimento (amorosidade, fraternidade, solidariedade, religiosidade, sexualidade, felicidade, …) e finalidade (uma vida boa). O fundamental tem a ver com o meio e o objeto para o essencial. O foco primário deveria ser o essencial e não o material. Por exemplo, você recebe uma lembrancinha (objeto) em uma festa. Ela é o fundamento! Mas a essência é o sentimento de felicidade daquela convivência. Se você guarda a lembrancinha e já nem lembra quando a recebeu, claramente, o fundamento se sobrepõe à essência (o secundário substitui o primário). Mas, quando você consegue descartar o objeto e manter a sensação/sentimento do momento, temos a vitória da essência (primário) sobre o fundamento (secundário). Como visto, a confusão de conceitos traz muitas das confusões da vida, quando não nos encaminha em direções equivocadas na forma de sermos e de nos comportarmos.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Cervantes, Millôr Fernandes, Wittgenstein, Cortella, Pondé, Hannah Arendt
Foto: pixabay.com
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