PERDÃO E VINGANÇA
“Eu não falo de vinganças nem perdões, o esquecimento é a única vingança e o único perdão.” (Jorge Luis Borges)
Talvez devêssemos iniciar falando sobre a vingança, para então falarmos sobre o perdão. Mas opto, aqui, pelo inverso e entenderão o porquê. O perdão significa remissão de pena ou de ofensa ou de dívida, desculpa ou indulto. Não me valho aqui do termo clemência pelo significado próprio à luz da política e da filosofia, a partir das proposições de Cícero e Sêneca. Dentro da tradição cristã, o perdão seria obtido pelo arrependimento sincero, que vem do coração. Luc Ferry ensina que a facilidade do perdão divino às más condutas (pecados) foi o que permitiu a expansão rápida e ampla do Cristianismo. Há quem diga que não é bem assim, pois Deus teria perdoado os erros do Rei Salomão, mas mantida a ele responsabilidade quanto às consequências de suas ações. Verdade que, na mitologia greco-romana, os conceitos de cosmos, caos e tanus traziam uma responsabilidade ao “pecador” mesmo que arrependido ou tendo revertido a má ação ou suas consequências. Essa era a realidade independentemente das palavras quase poéticas de Sócrates ao formular que “só quem entende a beleza do perdão pode julgar seus semelhantes”. Mas na verdade, a visão, a partir da interpretação das palavras de Jesus Cristo seria de que perdoamos os outros quando deixamos de guardar ressentimento, abrindo mão de qualquer compensação pelas mágoas ou prejuízos que tivemos. E para tanto, bastaria o arrependimento sincero de quem agiu mal. São Mateus narra que Jesus, respondendo a Pedro, sobre quantas vezes deveria perdoar o próximo, disse “setenta vezes sete” (Mt 18, 21-22). Há aqueles que entendem que não existe perdão; as consequências devem ser duras e proporcionais, como por exemplo na forma da Lei de Talião, lembrando que talião significa idêntico. Ou seja, a pena deve ser idêntica ao crime praticado. Tal lei foi fundamento ao Código de Hamurabi e orientou a elaboração da lei e aplicação do direito penal até a era moderna. Já os racionalistas entendem que o perdão deve ser fruto não só do arrependimento, mas também de uma nova forma de agir, agora distanciada da má conduta. Certamente, diante da ótica católica, William Shakespeare disse que “nada encoraja tanto ao pecador como o perdão.” E aqui entra a questão da vingança tida como antônimo de perdão. Soa um tanto estranho, pois o fato de não perdoar não quer dizer, necessariamente, agir vingativamente. Aliás, Musset ensina que “na falta de perdão, abre-te ao esquecimento”. E Thomas Carlyle sugere que “o esquecimento é mais sublime que o perdão”. Vingança seria o ato retaliativo contra quem seria o causador de uma ofensa ou de um prejuízo. Pode-se não perdoar e não se buscar vingança! Inclusive quem o faz, à luz da Bíblia, peca duas vezes: primeiro por não ter perdoado, e segundo por tomar a si um ato exclusivo de Deus. Sim! “Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: “Minha é a vingança; eu retribuirei”, diz o Senhor.” (Romanos 12,19) Os ateus sempre questionaram esse Deus de amor vingativo, mas essa é uma outra história…. Por falar em história, quem talvez melhor tenha tratado da vingança foi o Bardo em sua tragédia intitulada Hamlet. A peça trata de uma vingança que termina por gerar 8 mortes (Claudio, Gertrudes, Polônio, Laerte, Ofélia, Rosencrantz e Guildenstern), inclusive a do príncipe vingador (Hamlet), a destruição da casa real e a submissão do reino dinamarquês ao desafeto norueguês (Fortimbras), cujo pai fora vencido e submetido em batalha pelo pai de Hamlet. Podemos dizer que só sobra um personagem relevante (Horácio) para contar a história. Bem leciona Valderez Carneiro da Silva: “A grande lição de Shakespeare apresentada em Hamlet é que o crime não compensa e a vingança é problemática.” O problema da vingança é que, na maioria das vezes, ela cega o vingador e faz ele crer que age em, ou, para realização de justiça. Vingança e justiça não são sinônimas. O vingador tende a se tornar tão obsessivo que sua conduta se inferioriza àquela que condenou e gerou o ato vingativo. Não vou entrar no mérito da proposição a respeito de vingança e justiça, consoante o ambiente, por Epicuro – já tratada em texto publicado no Omnisversa anteriormente, mas lembrar que Confúcio dizia: “Antes de sair em busca de vingança, cave duas covas.”. Castro Alves dizia que de nada valia a vingança pois nela não seria possível ser lavada a honra perdida. O mais grave da vingança é que por extrapolar a justiça ela não mata, mas multiplica as injúrias, conforme indicado por Benjamin Franklin. Ressalte-se que a vingança é um comportamento que adentra a natureza do homem, pois as estatísticas mostram que, na década passada, 2 em cada 10 homicídios nos EUA tiveram motivação na vingança, enquanto que, no Brasil, as estatísticas de 2012 revelaram que a vingança foi o principal motivo dos assassinatos no país. Diante do aumento contínuo de crimes motivados em vingança, pesquisadores suíços começaram a estudar aspectos cerebrais envolvendo vingadores e suas ações (Ciência da Vingança). Ao tratar da denominada Psicologia da Vingança, Cristiano Nabuco fala da ressaca após o ato: “Assim, o gesto inicial de desforra acarretou “o despertar” daqueles sentimentos novamente. Uma vez terminada a vingança, uma sensação de autopunição tomava lugar, inclusive, muitas vezes acompanhada de novos sentimentos de ruminação.” A vingança geralmente tem seu praticante já tomado por desvios psicossomáticos e comportamentais. Conclui-se então, que o perdão deve ser ato volitivo individual, que poderá ser condicionado, ou não – mas nunca diga que perdoou, se na verdade não o fez e guarda em si ressentimentos; a vingança também é ato de vontade individual, mas cujas ações envolvidas e consequências devem ser bem sopesadas, diante de consequências não pretendidas. A opção pela vingança pode já sinalizar sintomas anteriores, quando pode faltar prévia análise sobre responsabilidade pelas consequências que podem advir.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Jorge Luis Borges , Cícero, Sêneca, Luc Ferry, Sócrates, Jesus Cristo, São Mateus, William Shakespeare, Alfred Musset, Thomas Carlyle, Valderez Carneiro da Silva, Epicuro, Confúcio, Castro Alves, Benjamin Franklin, Cristiano Nabuco