“O Olho a si mesmo não enxerga,/senão pelo reflexo em outra coisa.” (William Shakespeare)
Imagine uma cena: várias crianças sentadas em uma sala cheia de brinquedos. Todo tipo de carrinhos, bonecas, bolas… Mas só tem um pianinho no centro da sala. A criança 1 olha para o pianinho, a criança 2 vê que a criança 1 olhou para o brinquedo e ela também o olha. As duas vão na mesma direção. Você acha que isso vai dar certo? É claro que não! As duas estão com desejo de brincar com o mesmo brinquedo ou será que alguém ali só quer fazer a mesma coisa que o outro? Se um atingir o objeto primeiro o que vai acontecer? É claro que o berreiro vai começar e a briga vai rolar. Vai chegar um adulto, intrometido, e apartar a briga dizendo que é para dividir o brinquedo. “- Cada um brinca um pouco!” – vão dizer. É claro que isso não vai dar certo, de novo! Provavelmente, um deles vai ficar irritado de o outro ter conseguido o objeto de desejo antes dele e vai acabar descarregando a raiva no coleguinha mais próximo, aquele anjinho que não sabe de nada do que está se passando. Já viu essa cena acontecer? Provavelmente você participou dela sem se lembrar e a reproduziu na sua vida em algum momento, ou ainda reproduz. Agora, imagine outra cena: uma bancada de promoção na loja. Dez pessoas em volta, bagunçando tudo. Uma peça que passava despercebida, no meio da banca, é olhada pela pessoa 1. Só tem aquela, naquela cor. A pessoa 2 viu que a pessoa 1 olhou para a peça. Vixe, vai dar ruim! Já presenciou essa cena antes? Sabe o que vai acontecer? Não é bola de cristal! É a história que se repete! Sem ter noção, algumas vezes, na nossa vida, desejamos o que o outro deseja, e mais do que gostaríamos. A rivalidade e, por vezes, a inveja, motivam muitos desejos alheios. A autonomia de nossa vida é algo quase inalcançável desde que o marketing percebeu que queremos usar o que o outro está usando, morar na casa que o outro mora, comer o que o outro come. E as redes sociais – frugais – só multiplicam esse formato mimético de viver. Na natureza, o mimetismo é uma arma de sobrevivência da evolução. Animais indefesos passam a se parecer, ou reproduzem características de outros animais perigosos e peçonhentos, para impor medo e respeito, e, assim, sobreviver. Na nossa sociedade é diferente. Queremos realmente nos parecer com aquele “influencer” sem necessidade de sobrevivência, apenas para sermos mais um na multidão. Uma cópia da cópia! E, por muitas vezes, queremos até ser mais. E, aí, entra a briga do superego. “- Se ele tem um carro do ano, eu tenho que ter uma lancha” – que triste sociedade construímos. Adam Smith fala da busca de uma classe sócio-econômica alcançar a outra e da mais alta se fazer inalcançável. Tem jeito agora de mudar? Não sei! Só sei que, depois que percebemos esse ciclo, podemos nos policiar para não entrarmos na onda do desejo dos outros e, finalmente, passarmos a ter nossas próprias vontades. Desligue a televisão! Feche as revistas de moda! Pare para perceber o que realmente te agrada! Como diria René Girard, autor da teoria mimética, “O individualismo é uma mentira formidável.”
Autor: Leonardo Campos
Autores citados: William Shakespeare, Adam Smith, René Girard