EDUCAÇÃO – HISTÓRIAS E LIVROS
“Rezo ao Tempo para que nossos moleques tenham a capacidade de se abrir generosamente para as encruzilhadas em que o mundo se arvora grande. Eu ouço bibliotecas.” Luiz Antônio Simas
Existem histórias que se assemelham, ainda que com personagens distintos. Me tocou profundamente o livro “Pedrinhas Miudinhas”, de Simas. Não bastasse o brilhantismo que traduz o autor, Simas é verdadeiro e transmite sua habitual confiabilidade, principalmente quando conta de sua formação com uma avó – mãe de santo e líder de um terreiro na Baixada Fluminense. Verdade que, comigo, as histórias envolviam uma colônia de alemães em Petrópolis, na região serrana fluminense. Kant acreditava que quando se criam ou educam as crianças, a elas devem ser dadas raízes (para saberem sua origem) e asas (para voarem para onde quiserem). Provavelmente, mais por tato do que por conhecer Kant, me foi propiciada tal formação pela família. Até montei uma árvore genealógica certa vez! Creio que, quando Kant fala das raízes, ele se reporta à educação (dever da família) que vai moldar o caráter da criança, inclusive pelos exemplos que adquirirá das diversas histórias que lhe serão contadas e exemplos que terá, formando sua ética. As asas são fruto da informação, onde temos o papel da escola e outros meios de aprendizado. “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele.” (Immanuel Kant) Eu fui brindado com mil histórias de familiares que vão desde a vinda de um avô alemão escondido no fundo do navio até a proibição do uso do idioma alemão pela família, ainda que se falasse só um dialeto. De sofrimentos de família pobre até momentos de alegria e celebração são minhas memórias infantis. Alguém já ouviu falar da Crisquíntia? Era a Mamãe Noel que, vestida de noiva, acompanhava o Bom Velhinho, nas noites de Natal, pelas casas com cheiro de maçãs, sorrateiramente guardadas. A chegada do casal era precedida dos toques de um sino e do acendimento das velas na árvore natalina. Ainda vivi parte desse folclore com a visita do Papai Noel, ninhos de coelho na Páscoa, pão alemão na quermesse de N. Sra Auxiliadora, as linguiças e queijo de porco feitos em reuniões familiares para abate do pobre animal, ou tendo o prazer de criar e tratar de animais e plantas, construir cabanas nos morros cobertos de mata, na montagem das lanternas de vagalumes, na decoração da árvore de Natal, na coroação das meninas do colégio como anjos no dia da padroeira, … Lembro da delícia de catar saquinhos com doces em dia de São Cosme e São Damião pela rua, enquanto um vizinho, implicava com as mulheres do bairro gritando seus nomes antes da dúbia pergunta: “Você está dando aí hoje?” Esses exemplos, histórias e experiências me ensinaram o certo e o errado, assim como me fizeram dar valor ao trabalho, ao esforço e a persistência, permitiram desenvolver o bom humor, ter júbilo ao viver os momentos de felicidade, não me entregar nos momentos difíceis, e, sobretudo, valorizar a alegria de agrupar os amigos em torno da mesa, como meu pai fazia com a família e amigos. “É na educação dos filhos que se revelam as virtudes dos pais.” (Coelho Neto). Aí estavam e estão minhas raízes. A escola me propiciou a informação e ajudou ainda mais meu conforto com os livros que, com a educação familiar, me dotou de asas com as quais voei pelo mundo, nunca como turista, mas como viajante. Para quem desconhece a diferença, o turista vai a lugares pré-definidos onde tira fotos e compra cartões postais, mas, o viajante se perde no lugar visitado para entendê-lo, assim como a sua gente e seus hábitos. Todavia, a escola só funcionará quando a educação familiar reconhecer o valor da educação escolar. O papel familiar é fundamental, seja estejamos falando de uma escola pública ou privada. Hoje, vejo pais escolherem escolas como roupas de moda em shopping centers, e elas, caras e chiques, de pouco servirão se os rebentos não souberem, a partir de casa, o valor da educação. Muitas geram notórios analfabetos funcionais. É desse valor que Derek Bok fala: “Se você acha que educação é cara, experimente a ignorância.” A ignorância acompanhada da escola de alto custo é a verdadeira piada de mau gosto. E muitas vezes, nas palavras de J. Petit Senn, os “filhos tornam-se para os pais, segundo a educação que recebem, uma recompensa ou um castigo”. Sempre li de tudo e a respeito de tudo! Nunca houve livros ou assuntos proibidos. Havia opiniões e discussões familiares sobre pontos de vista. Meu incentivo para a leitura estava na família, professores, amigos, e mesmo em programas televisivos, nas crônicas de jornais e contos em revistas, de uma época em que o deus obscuro do mercado não era o único foco da mídia. As bibliotecas ouvidas se somaram às bibliotecas lidas e às informações de viajante. As escolas sempre foram casas agradáveis, mesmo quando grandes centros no país e no exterior. Isso me permitiu viver em um mundo materialmente pequeno com poucas distâncias, mas culturalmente infinito e desafiador pela quantidade de saber ainda não alcançado. Portanto, o que fazer, senão me entregar à Filosofia (a mãe de todas as ciências)? Minhas asas não param, pois há sempre algo novo. Tem sempre alguém a estimular o novo, como aquele amigo chamado “Menino do Por Que?”. Agora é o tempo da física para chegar à filosofia quântica, do cérebro holográfico, da visão holística, … Newton dizia que “o que sabemos é uma gota; o que ignoramos é um oceano”. Mas continua sendo o tempo de ler os clássicos de Epicuro (“Das coisas que a sabedoria proporciona para tornar a vida inteiramente feliz, a maior de todas é uma amizade.”), Sêneca (“A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida.”), Rousseau (“A educação do homem começa no momento do seu nascimento; antes de falar, antes de entender, já se instrui.”), … Sei que minha sede de saber e dividir conhecimento só terá fim com a morte. Me junto a Sócrates (“Existe apenas um bem, o saber, e apenas um mal, a ignorância.”) complementado por Cora Coralina (“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”), e inicio a leitura de mais um livro.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Luiz Antônio Simas, Kant, Coelho Neto, Bok, Senn, Epicuro, Sêneca, Rousseau, Newton, Sócrates, Cora Coralina
Sensacional!
Vc brilha mais a cada texto, nos leva a verdadeiras “viagens”, com sabores, passeios, conversas, comemorações e tudo o mais de bom, de forma sutil e suave…
Parabéns pelos seus talentos e mais, obrigado por dividi-los Com todos nós que somos privilegiados por podermos participar!
A equipe Omnisversa agradece seu comentário, Francisco, e, certamente, o encaminhará ao colaborador citado. Este é um projeto que busca trazer conhecimento e reflexão para que as pessoas tenham uma vida boa. E a vida boa envolve coisas, por vezes tão simples (sabores, passeios, conversas, comemorações, …), mas que formam nossa essência e orientam nosso caminho. Por favor, continue seguindo nossas publicações e oferecendo seus comentários.
Adoro seus textos ! Eles o desnuda e assim conhecemos a SUA essência!
Feliz daquele que vive numa constante busca pelo saber
Ademais, suas citações nos remetem a autores queridos , que muitas vezes não tivemos a oportunidade de ler
Você me inspira , me adiciona! Obrigada querido ! ❤❤❤
A equipe Omnisversa agradece seu comentário, Maria, e, certamente, o encaminhará ao colaborador citado. Este é um projeto que busca trazer conhecimento e reflexão para que as pessoas tenham uma vida boa. E a vida boa estã diretamente ligada ao conhecimento da essência humana.