“As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras”
Friedrich Nietzsche
A primeira vez que pisei no Louvre já vai longe. Foi em 1999, numa Paris bela e chuvosa de dezembro…Sim, acreditem! Paris consegue ser bela mesmo chuvosa. Eu estava ansioso, já que o museu é considerado o maior repositório de arte e cultura, em exposição, em todo o mundo. Mas alguns dirão que o Hermitage , de São Petersburgo, possui maior quantidade de peças…mas isso é papo para outra oportunidade. Claro que eu tinha minhas peças de arte para procurar… a Monalisa, a Virgem das Rochas, o Código de Hamurabi, uma penca de Van Gogh, a Vitória Alada da Samotrácia, e mais algumas peças Egípcias. Mas entre uma e outra, me deparei com uma obra impressionante e, para mim, inesperada, até mesmo por seu tamanho: A Balsa da Medusa. Certamente é a obra mais conhecida de Théodore Géricault e foi produzida por volta de 1820…ou seja, perto de 200 anos atrás. Em uma primeira visão, a obra é deprimente pois representa os sobreviventes de um naufrágio. Se pesquisarem um pouco, verão que, em junho de 1816, a fragata francesa “La Méduse” zarpou do porto de Rochefort, no Oeste da França, com destino ao porto senegalês de Saint-Louis. Ela liderava uma esquadra de outros três navios: a corveta Écho, o navio mercante Loire e o bergantim Argus. A ideia era que a comitiva oficializasse a devolução de parte do Senegal pela Inglaterra, como consequência do tratado de paz que pôs fim a mais uma de suas guerras com a França. A pressa e a inexperiência do Capitão da “La Méduse” acabou encalhando o navio e, na tentativa de cruzar as 60 milhas que os separavam da costa, improvisaram uma balsa para transportar parte dos mais de 400 tripulantes. A empreitada não deu certo e apenas quinze dos 150 ocupantes da balsa chegaram ao continente, após serem resgatado pelo Argus. Bem…esses são os fatos. Mas você os conhecerá pesquisando, como eu, nos livros ou na Wikipedia. Aliás, a arte, seja na forma de pintura, escultura, literatura, música, etc, instiga nossos sentidos e nos provoca o pensamento. E, sendo assim, o que realmente diz a pintura? Sim, porque esse é nosso mote aqui. Vários detalhes se destacam, e uma ou outra pessoa pode achar ou ressaltar este ou aquele. Me chamou a atenção que o autor colocou, como um dos personagens de destaque, um homem negro segurando a bandeira francesa. Isso é inspirador, ainda mais quando vemos nisso um ato contra o governo de Napoleão Bonaparte, que apoiava de forma sistemática e institucional o tráfico de negros, bem como a escravidão. Outro ponto seria a influência de Caravaggio, e mesmo alguma religiosidade percebida na cena. E para essa observação detalhada, lembro que uma pintura, qual uma foto, funciona como uma máquina do tempo. Não como o De Lorean de Michael J. Fox em “De Volta para o futuro”, que nos leva de um ano para outro, no futuro ou no passado, mas como uma máquina que “congela o tempo”. E aí, debruçado sobre aquele momento, vejo sempre nesta pintura um momento de redenção… um instante em que os ocupantes da balsa vislumbram a vista da costa senegalesa, antecipando o fim de suas agruras, refazendo suas esperanças e resgatando os planos daquilo que ainda estaria por vir. E é essa a mensagem que trago. A de que, por pior que seja o momento que estejamos atravessando, devemos buscar nele uma visão de redenção, de aprendizado necessário à nossa evolução. Toda a experiência é relevante e cabe a cada um de nós decidir se, ao olhar a pintura de Gericault, se preferimos enxergar a desgraça ou a salvação.