“Nada encoraja tanto ao pecador como o perdão.” (William Shakespeare)
Luther King dizia que “o perdão é um catalisador que cria a ambiência necessária para uma nova partida, para um reinício”. E não questiono seu entendimento. Todavia, como ação humana de se livrar de uma culpa, uma ofensa ou uma dívida, há que se ter cuidado com a efetiva vontade de quem pede perdão. Assim como se deve ter cautela ao acreditar-se que o perdão foi verdadeiramente concedido. Afinal, perdoar não significa esquecer. O perdoado deve lembrar para não repetir (“pedir perdão” significa reconhecer o seu erro e pedir desculpas para a pessoa com quem se foi injusto) e quem perdoa deve deixar de cobrar, mas nunca esquecerá o que se passou. O perdão é um processo mental de eliminação de ressentimento, raiva, rancor ou outro sentimento negativo sobre determinada pessoa, ou por si próprio, mas não, necessariamente, um ato de esquecer. Luc Ferry lembra que uma das grandes razões de expansão do cristianismo foi a previsão do perdão sempre, como sinal de amor e renovadas chances. Essa foi uma grande alteração com relação às demais religiões, onde o erro sempre importou em castigo, restando consequências mesmo em caso de eventual perdão. É importante entender que o perdão não é um ato, mas um processo (ação). Processo significa uma sequência contínua de fatos ou operações que apresentam certa unidade ou que se reproduzem com certa regularidade; andamento, desenvolvimento, marcha. Assim, não basta pedir e conceder perdão. Quem pede perdão deve reconhecer o erro e demonstrar sua revisão de comportamento a partir de então. Da mesma forma quem concede o perdão não pode mais cobrar pelo erro ou ofensa para com ele. Nos deparamos frequentemente com pessoas que nitidamente pedem perdão, mas continuam na mesma prática ou o pedem sem efetivamente reconhecerem seu erro, bem como pessoas que concedem perdão e depois ficam reclamando do fato ocorrido. Nessas hipóteses o perdão não foi efetivamente solicitado nem realmente concedido. Frequentemente nos deparamos com pessoas, nas mais diversas religiões e seitas, que nos seus ritos solicitam perdão, mas continuam a praticar os mesmos atos. Onde está verdadeiramente o reconhecimento das faltas e seus arrependimentos? Então não há justo e real pedido de perdão. Por outro lado, quem não está pronto para perdoar deve seguir em frente e deixar o assunto como lição do passado. Musset dizia que “na falta de perdão, abre-te ao esquecimento”. “Eu não falo de vingança nem de perdão, o esquecimento é a única vingança e o único perdão.” (Jorge Luis Borges) Não que isso seja fácil na maioria das vezes. Mas remoer aquilo que não se pode alterar não é nada saudável. A visão do perdão de forma mais racional ou “religiosa” trará diferentes entendimentos, mas creio que também, muitas das vezes, consequências que variam do perdão efetivo ao perdão hipócrita. Exemplificando, Ambrose Bierce diz que “pedir perdão é assentar o terreno para futuras ofensas”, enquanto Bacon ensina que “a vingança nos torna igual ao inimigo; O perdão nos torna superiores a ele”. Portanto, só peça perdão se reconhece seu erro e está pronto para mudar sua atitude, e só perdoe quando efetivamente estiver pronto a não mais cobrar pela ofensa ou erro a que foi submetido. Afinal, “não existe perdão com ressalvas. O verdadeiro perdão é como o verdadeiro amor pregado por Cristo: é sublime e incondicional”, nas palavras de Augusto Branco. E, se estiver pronto para pedir perdão, ouça a dica da grande poetisa Cecília Meireles: “Se você errou, peça desculpas… É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado?”.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Shakespeare, Martin Luther King, Luc Ferry, Alfred de Musset, Jorge Luis Borges, Ambrose Bierce, Francis Bacon, Augusto Branco, Cecília Meireles