NÃO TRANSFIRA SUAS RESPONSBAILIDADES
“Imperdoável é deixar a responsabilidade fora de você, …” (Schopenhauer)
Outro dia, ao dar bom dia, nas redes sociais, usei uma frase (Não me transfira suas responsabilidades. Eu conheço as minhas e delas dou conta.) que deixou muita gente “bolada”. Cada vez mais, concordo com o Luiz Felipe Pondé quando ele fala em pessoas “mimadas, egoístas e frustradas”. Mas discordo do mestre, pois creio que não seja uma característica somente das novas gerações. Acho que ao contrário de transferirem bons exemplos, as gerações mais velhas incorporaram essas características de grande parte das gerações mais novas. Afinal, Patch Adams nos lembra que “a transferência é inevitável” já que “todo ser humano causa impacto nos outros”. Hoje, nos deparamos com uma clara transferência de responsabilidades em razão daquelas características; trata-se de um meio de expiar culpa ou revertê-la a um terceiro. O fato me assusta, mas não me surpreende. A escolha do caminho mais fácil tende a ser a primeira opção, ainda que de pior resultado. “Não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis.” (René Descartes) O mais grave é que esse tipo de comportamento seja visto mesmo em profissionais envolvidos com as questões de mente, comportamentos e emoções, inclusive como terapeutas. Me valho de dois tipos de relações típicas para essa conclusão – relações familiares e relações amorosas e afetivas. Percebo o quanto algumas pessoas, mesmo não sendo jovens, transferem aos pais a eterna responsabilidade por suas vidas, o custeio de seus padrões de vida ou de seus insucessos. Tenho colegas de idade avançada que não podem pensar em descansar pois “precisam” seguir sustentando filhos, filhas, noras, genros e netos. E, muitas vezes, o fazem em padrões superiores aos em que vivem. Vejo pais sendo considerados culpados pela estagnação de filhos acomodados, reclamões, sem iniciativa e preguiçosos. “Se quer que seus filhos tenham os pés no chão, coloque-lhes algumas responsabilidades nos ombros.” (Abigail Van Buren) Já vi uma mulher obesa reclamar de sua mãe por cozinhar bem e em quantidade. Ou seja, sua mãe é responsável por sua obesidade. A gula, a negativa a uma alimentação saudável, a falta de exercícios, a ociosidade dela não são responsáveis por sua obesidade, mas sim a mãe quituteira. Este tipo de descalabro não para aí. Por outro lado, me deparo com pais que terceirizam suas responsabilidades com educação e cuidados para com os filhos. Entendem que este é um problema das escolas e babás que remuneram. Pior, em situação próxima, vejo pais que entendem que os funcionários do condomínio são responsáveis por cuidar de seus filhos, abandonando-os em áreas comuns (elevadores, playgrounds, estacionamentos e piscinas) a todo tipo de riscos, ainda que em tenra idade. Nas relações afetivas/amorosas não é diferente. As pessoas não assumem suas opções e transferem responsabilidades. Caso típico temos na famosa frase: “Você é tão bom que não posso corresponder às suas expectativas”. Ou seja, as eventuais virtudes do outro são culpadas pela impossibilidade do relacionamento. Pior, a pessoa é tão arrogante que crê ser capaz de prever as expectativas e níveis de satisfação do outro. A expectativas não podem ser desarrazoadas como ferramentas de frustração, mas como diz Jack Kinder, “grandes realizações sempre acontecem em uma estrutura de grandes expectativas”. Um relacionamento sem expectativas será um relacionamento medíocre. Mas a mencionada frase tem um apelo, pois é mais fácil explicar o fim de um relacionamento com alguém que lhe trata mal, do que com alguém que lhe trata bem. Além disso, você pode utilizá-la em uma mensagem ou áudio, sem precisar falar olho-no-olho. Eis o mundo líquido. E isso me leva a uma outra reflexão. Rotineiramente, e geralmente, após uma situação ruim ou catastrófica, ouvimos alguém perguntar sobre a razão da vítima ter se envolvido com o culpado (carrasco). O quanto as pessoas não buscam relações ruins, como uma opção? O quanto elas não buscam carrascos? Afinal, as vítimas não precisam dar justificativas, elas conseguem atenção; elas se sentem importantes por serem objeto de compaixão, e acabam mimadas, … Há pessoas que só conseguem se colocar na infelicidade; o que em geral se torna um ciclo vicioso, mas insanamente satisfatório. Os dominadores e arrogantes amam essas “vítimas opcionais”. “Detesto as vítimas quando elas respeitam os seus carrascos.” (Jean-Paul Sartre) Bem verdade! Mesmo porque, nessa situação, a vítima transfere toda a responsabilidade ao carrasco. Nietzsche dizia que “a vítima está sempre alheia ao mal”. Martha Medeiros escreve que “é de minha responsabilidade não ficar triste, não deixar ninguém me magoar, não deixar que nada de ruim me aconteça”. Mas, novamente, o caminho mais fácil é a autovitimização. Voltamos ao início com a terceirização da responsabilidade e, consequentemente, da culpa. “É uma falta de responsabilidade esperarmos que alguém faça as coisas por nós.” (John Lennon) Mas, o ex-Beatles esqueceu que, para a maioria, este é o caminho mais cômodo. Hoje, vivemos uma época de inação das pessoas com relação às suas próprias vidas. Elas preferem acompanhar, julgar e se preocupar com a vida alheia nas redes sociais e reality shows, que dar encaminhamento às suas próprias vidas. Quanto às suas vidas, elas se dedicam a sonhos, pensamentos, planos nunca iniciados, em uma completa e eterna estagnação. Principalmente, agem assim por não desejarem assumir qualquer responsabilidade “A ação não surge do pensamento, mas de uma disposição para assumir responsabilidades.” (Dietrich Bonhoeffer) Colocam nas costas de terceiros as responsabilidades por suas vidas, custeio, afetos, proteção, respeito, … Dentro desse egoísmo, acabam frustradas. Ou seja, vemos nitidamente explicadas as características assinaladas tão bem por Luiz Felipe Pondé. Quando você opta pelo caminho mais fácil, não espere necessariamente o melhor resultado.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Arthur Schopenhauer, Luiz Felipe Pondé, Patch Adams, René Descartes, Abigail Van Buren, Jack Kinder, Jean-Paul Sartre, Friedrich Nietzsche, Martha Medeiros,
John Lennon, Dietrich Bonhoeffer
Foto: Glen Bowman