Ele chegou metodicamente no horário do habitual encontro de sábado. Dia de namoro sem programação, ela estava largada no sofá quando ele entrou. Subitamente, lembrando o tempo passado juntos, ele sugeriu que se casassem. Já era tempo! Ela não pestanejou. Ele sempre fora dedicado, protetor, carinhoso, trabalhador, inspirado, …, ainda que um tanto ciumento. Foi daqueles casamentos caros com cerimonialista, mais “pre-wedding” seguido do “wedding” (casamento), como agora era chique celebrar. Às fotos e filmes do casamento se seguiram mais tantos outros de uma vida conjugal perfeita – daquelas que nem telenovela é capaz de mostrar. Tanta felicidade, realização, combinação e perfeição, em fotos, causavam inveja a muitos, inclusive às amigas dela. As fotos e vídeos ainda permeavam, e seguiram, mesmo após a primeira bofetada aos três meses do casamento. Estressado no trabalho, ele chegou, não se contentou com algo e a agrediu. A primeira bofetada sem reação abriu a porteira para a segunda, e também para o primeiro soco, o primeiro chute, o primeiro golpe com o objeto disponível mais próximo,… Um misto de medo e vergonha a imobilizavam. Ela não teria como falar sobre tais fatos com ninguém. Aliás, ele sugerira que ela parasse de trabalhar – e parou, começou a dizer que os pais dela eram invasivos – e ela se afastou, decidiu que as amigas dela não eram lá tão adequadas – e ela silenciou. Agora, ele aparecia inesperada ou furtivamente no salão de beleza, no consultório médico, … Ele chamava isso de “incertas”. Ela estava envelopada no mundo dele. Como um ser em abraço de sucuri, ela já não respirava, ou talvez tivesse medo até disso, para não o desagradar e apanhar. Por seu turno, ele já a tinha como objeto de propriedade. Nada para alimentar, nada para conquistar. Então, era tempo de ir à caça de outras mulheres. Todavia, não era só o silêncio do medo, mas as fotos e vídeos felizes nas redes sociais que mantinham o cativeiro, a tortura e a humilhação imperceptíveis ao mundo real. Ela já não podia cumprimentar sequer os porteiros do prédio, cabendo um mero aceno de cabeça – sem sorriso. Quanto mais conquistas na rua, mais ele endurecia em casa. Família e amigos não entendiam as constantes ausências por motivos de saúde, que não passavam de desculpas diante da necessidade de se esconder, bem como, de também esconder os hematomas que carregava após cada surra. Certo dia, saindo de uma consulta médica, o salto quebra e ela cai. Um homem que passava ajudou-a a se levantar, pegou sua bolsa e perguntou se ela estava bem. Vendo parte da cena, em suas “incertas”, o marido decidiu que aquele era o amante dela. Ela que não se comportava bem e obrigava-o, portanto, a dar-lhe corretivos. Ele – tão digno, protetor, provedor – traído. Não pensou duas vezes e agiu. O som do estampido se perdeu no momento. Ontem, sobressaltados, surpresos e abobalhados amigos e familiares deram o último adeus a ela. Não entendiam o que aconteceu. Não compreendiam tal final para uma vida história de amor como a deles. Na saída do cemitério, alguém comentava: – Sim, Ele está foragido! Mas você ainda poder ver votos do feliz casal nas redes sociais.