BANAL VIOLÊNCIA
A violência é sempre terrível, mesmo quando a causa é justa. (Friedrich Schiller)
A violência talvez seja o assunto mais recorrente com o qual nos deparamos diariamente. Todos convivemos com ela e dividimos nossas experiências, enquanto vítimas, com amigos, colegas e familiares, que constantemente são também vítimas dela. Existe um ciclo de violência crescente e aterrador, que deixa a insegurança das ruas e passa a ser uma realidade banalizada e frequente dentro de nossas casas, locais de trabalho, e ambientes afetos às pessoas com as quais nos relacionamos. A violência se tornou normal e, um tanto quanto, aceitável, independente das reclamações frequentes. Talvez, devamos analisar um aspecto psicossocial interessante e que alcançou a violência. Estou falando da normose, ou seja, a violência passou a ser encarada com certa normalidade como uma característica da atual sociedade. Eu reclamo, mas convivo com a violência sob uma ótica do “a vida é assim mesmo”. Esse reflexo de normalidade da violência nos levou a ter uma violência institucional e justificável. “A violência não é força, mas fraqueza, nem nunca poderá ser criadora de coisa alguma, apenas destruidora.” (Benedetto Croce). Isso nos permite entender muito da decadência da civilização como presenciamos hoje. Vejamos o Estado violento. Quando ele impõe condições indignas de transporte, nega um mínimo de saúde pública decente ao cidadão, desconsidera a qualidade do ensino público, temos um Estado violento. Mas a justificativa está no povo que depreda, destrói, não se comporta bem. As famílias violentas são objeto frequente na mídia. Violência entre casais, pais e filhos e outras relações de parentesco chocam só por 15 minutos. Mas sempre há uma justificativa do tipo ^fulano pediu, fulano merecia”. As situações de assédio e discriminação no trabalho são outra comum forma de violência. Aqui justificadas amplamente pela desobediência, impulsividade,… E nas relações interpessoais nem se fale. Preconceitos, ódio, xenofobia, racismo, chauvinismo, homofobia são outros tantos exemplos da violência institucionalizada. E aqui também tantas justificativas surgirão. Quando passamos a ter por normal e justificada, a violência se coloca como algo que perpassa todos os grupos sociais e relações humanas, e também no âmbito animal e do meio ambiente. Ou seja, o mal se instala como normal e se torna aceitável. Gandhi lecionava que era “contra a violência porque parece fazer bem, mas o bem só é temporário; o mal que faz é que é permanente”. Quando se perde a capacidade de indignação com a violência, de sua reprovação e punição por ter sido perpetrada, nós incorporamos a violência como algo normal no nosso mundo e no mundo que nos rodeia. “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.” (Martin Luther King) Essa sociedade que aceita a violência como normal está em derrocada, pois, como dizia Sartre, “a violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”. Interessante que o referido autor efetivamente nos leva a um ponto chave que está na justificativa. Tudo que é aceito, o é porque é justificável. E Sartre menciona que “a violência faz-se passar sempre por uma contra-violência, quer dizer, por uma resposta à violência alheia”. Lembram daquela coisa infantil onde uma criança justifica que quem começou foi a outra: Pois é, o mesmo com a violência. Podemos lembrar como exemplo os grupos de extermínio, as milicias, movimentos racistas,…, além daqueles outros exemplos acima mencionados. O mais grave é que esse estado de coisas acaba banalizado mesmo pelos formadores de opinião, os legisladores, as autoridades, … Os movimentos sempre dependem de um caso escabroso que a mídia explora, e muitas das vezes mal, até o surgimento de outro. Aí surgem leis, vemos a atuação das autoridades, uma série de artigos e estudos. Por quanto tempo? Depende. E nessa hora surge não a indignação pela violência, mas um desejo de vingança, que é preocupante, danoso e agressivo. “A vingança comprimida aumenta em violência e intensidade.” (Marquês de Maricá). Eu ouso dizer que a vingança aumenta a violência em grau e intensidade, sob uma capa de ser ato justificado. Se o mundo se torna um lugar mais e mais violento e se a violência é destruidora, seria de se indagar para onde caminha o mundo. Friedrich Nietzsche fala de uma humanidade a caminho de dois homens: último humano (completamente alienado de si mesmo, normótico, assiste sua vida passar enquanto se distrai dela) e o além-humano. O pai do niilismo lembra que a civilização não sobreviverá ao último humano. Estaríamos em um navio à deriva, em pleno motim e com uma tempestade assoladora a caminho? Parece que sim!
Autoria: Fernando Sá
Autores: Friedrich Schiller, Benedetto Croce, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Jean-Paul Sartre, Marquês de Maricá, Friedrich Nietzsche
Foto: Susanne Nilsson (Flickr)