“… antes de pregar a virtude, reforma os teus costumes.” (Epicteto)
A caridade é uma virtude teologal que conduz ao amor a Deus e ao nosso semelhante. Mas, em sentido figurado, podemos entendê-la como um ato pelo qual se beneficia o próximo, em especial aos pobres e aos desprotegidos. Portanto, podemos dizer que a caridade própria deve ter por pressuposto uma condição de empatia, ou seja de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente. Assim, a caridade, sob a ótica teologal, envolve a capacidade de compreender emocionalmente o desprotegido. A caridade imprópria seria aquela em que o benefício proporcionado está vinculado a fatores que não necessariamente envolvem a empatia. Exemplo disso temos na caridade que se faz com o intuito de demonstrar a terceiros que se é caridoso. Rousseau a chama de fingida caridade (“A fingida caridade do rico não passa, da sua parte, de mais um luxo; ele alimenta os pobres como cães e cavalos.”). Poder-se-ia questionar se, ainda assim, não ocorreu o benefício, mas a questão se depara com o princípio da virtude. “Virtude sem caridade não passa de nome.” (Isaac Newton). O aspecto da empatia e do propósito da virtude fica muito claro quando lembramos a lição de Coelho Neto, segundo o qual “a verdadeira caridade é impalpável como a luz e invisível como o perfume: dá o calor, dá o aroma, mas não se deixa tocar nem ver”. Textos judaicos já diziam isso ao se referirem ao fato de que “a verdadeira caridade é praticada em segredo”. E este é um princípio religioso também no cristianismo, quando São Mateus (capítulo sexto) informa que: “Por essa razão, quando deres um donativo, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. … Tu, porém, quando deres uma esmola ou ajuda, não deixes tua mão esquerda saber o que faz a direita, para que a tua obra de caridade fique em secreto e teu Pai, que vê em secreto, te recompense”. Poderíamos mesmo dizer que a recompensa divina exige aquela virtude teologal, ou seja, uma caridade empática e voltada exclusivamente a mitigação do sofrimento alheio. Chico Xavier sabiamente fala que a caridade é um exercício espiritual. Portanto, fala ele da caridade própria e não da caridade pontual de quem com ela foca, por exemplo, no benefício fiscal. Aqui, há troca e não caridade. Falta aqui o elemento virtude, que é inerente à caridade verdadeira. E se falamos em cristianismo e espiritualidade, podemos também encontrar base no budismo. O Dalai Lama lembra que “importante é praticar a caridade e o amor, mesmo para uma pessoa que não seja religiosa”. Como ato virtuoso, a caridade esbarra no entendimento sobre a própria virtude, ou seja, a conformidade com o bem, com a excelência moral ou de conduta. Aristóteles leciona que “quanto à virtude, não basta conhecê-la, devemos tentar também a possuir e colocá-la em prática”. A virtude tem um caráter quase científico aos olhos dos filósofos gregos, enquanto, aos teólogos, ela detém um aspecto diferente, mais voltado para o exemplo divino. Modernamente, mesmo tal visão filosófica pode ser questionada, como o faz Schopenhauer, para quem “a virtude não se ensina”. O importante é que se faça a caridade, mas sempre com o foco em beneficiar aquele que sofre, pois somos empáticos ao seu sofrimento. A caridade se dá por pequenos gestos inclusive e não somente ou pelos grandes atos ou vultosos volumes. “Como a abelha trabalha na escuridão, o pensamento trabalha no silêncio e a virtude no segredo.” (Mark Twain).