Era uma manhã de sol, que escondia as noites anteriores – marcadas pelo frio. Acordava aquebrantado, como se o colchão não o tivesse recebido com o habitual conforto. Mas, ele sabia de onde vinha tanto desgaste. Era a segunda manhã sem seu pai. Há dois dias ele partira. Por conveniências sociais e familiares, ele suportou um velório longo cansativo e insalubre, onde o frio tomava o corpo, agravando o coração já gelado pela perda do pai. No dia seguinte, o sofrimento seguiu até o derradeiro enterro, na tarde triste de fim de inverno. Tantas pessoas, tantas palavras, … para que? Reinava aquela impotência que a morte traz ao tirar a pessoa e a rotina a quem fica. Ao chegar em casa, se deparara com a presença física do falecido, em objetos, livros, discos, roupas, … Aquele cão, que para sempre esperará pelo retorno de um dono que não virá. Havia tanto a ser feito, ou desfeito. As memórias continuavam passando, como se houvesse uma tentativa de, com isso, também não as perder. Um turbilhão de pensamentos e sentimentos. Ainda que conformado pelo fato, ainda que reconhecendo a realidade, havia esse vazio, que não se confunde com saudade. E, agora, já nessa manhã banhada de luz, não restava mais a impotência diante da morte, e sim o medo de não saber por onde ir. Não se tratava só dele, mas de outras pessoas por quem também estaria responsável. A assunção do papel do pai na condução da família parecia um fardo deveras pesado e inviável. Nessa hora, lhe coube entender e pensar sobre como se adequar à nova realidade, e, assim, viver sua nova missão. Se não a tomasse às mãos, estaria traindo a confiança dos que ficaram, mais do que a de quem partiu. Não havia caminho de volta nem desvio. Juntar forças, encarar os fatos, entendê-los e planejar os próximos passos era o chamado. Depois, ele poderia se dar o direito ao luto pelo pai ausente. Mais responsabilidades se lhe chegavam. Chegara um tempo novo, independentemente de sua vontade. Perseverar com atitudes concretas e plausíveis essa era sua paga e seu dever neste momento. Deixara as lágrimas à mãe e o estupor aos irmãos menores. Tais coisas não lhe pertenciam agora, pois o que lhe estava reservado era mais grave. Aquele sol da manhã, banhando seu rosto, foi um sinal de que estaria pronto e apto a seguir. E, assim, o fez…