Em uma época em que o empoderamento feminino tenta ser caracterizado por comportamentos e gostos duvidosos nas redes sociais, parece estranho o esquecimento, no Brasil, de um ícone que preconizou o papel das mulheres na transformação da sociedade: Nair de Teffé. Falar de Nair é falar sobre empoderamento feminino, transformação social, quebra de preconceitos, ruptura de protocolos, … Nair que adotou o pseudônimo “Rian” (Nair de trás para frente e com som semelhante a ‘nada’, em francês, que é “rien”) foi muito além do seu tempo. Dizem que era filha do Brasil Império, sendo Primeira-Dama na República Velha, mas vivendo e fazendo seu próprio tempo. Ela acreditava que as mulheres poderiam dar um novo contorno à sociedade pelas artes. E, assim, combateu preconceitos com arte a partir de sua posição privilegiada.Não foi tão-somente a primeira caricaturista mulher no mundo, mas também uma mulher que trouxe a música popular aos salões da elite, introduzindo-a no Palácio do Catete (sede do governo federal, à época); uma quebra de protocolo para as regras palacianas e do poder oligárquico. Nas palavras de Camila Hildebrand Galetti, “o que é mais incrível na Nair é a sua capacidade de subverter o que era esperado das mulheres”. Seu casamento com o Marechal Hermes da Fonseca foi um escândalo no meio político. A menina prodígio não pestanejou ao informar, antes do casamento, ao noivo: “olha, você é presidente da República. Isso é muito bonito e eu admiro muito, mas vou lhe pedir uma coisa: para não me impedir que eu faça arte”. Sim, Rian, ou Nair, era só arte. Arte engajada a favor da mudança positiva. Ela era pintora, cantora, atriz, musicista e pianista. Desde sua primeira caricatura (A Artista Rejane), na revista “Fon-Fon“, Rien não parou mais em criar espaços às mulheres e ao papel de repensar a sociedade. Com ela, mulheres adotaram a moda de calças compridas e passaram a montar a cavalo como homem.Ao introduzir violões no salão presidencial, em saraus regulares, Nair e sua paixão por música popular brasileira deram espaço a Catulo da Paixão Cearense e Chiquinha Gonzaga; a música popular brasileira deixava de ser coisa menor e produto de seres inferiores. Nair foi mais forte que as críticas ao governo e a comentários e fofocas sobre a promoção e divulgação de músicas originadas nas “danças lascivas e vulgares”, avessas aos ditames da oligarquia brasileira. Ela não se submetia; Nair inovava e modificava. Não “amarelou” mesmo diante do ataque de Rui Barbosa no Senado brasileiro. Respondeu com uma caricatura, para depois dizer “as pedras que ele me atirou não me atingiram. Elas (…) só serviram para assinalar a luta que enfrentei contra os preconceitos de então”. E Nair também esteve na Semana de Arte Moderna e brindou o Rio de Janeiro com o famoso e saudoso Cinema Rien na Orla de Copacabana. Nair era assim; Nair era arte a favor da evolução da sociedade. A arte era a ferramenta para desbravar a sociedade entrincheirada em preconceitos, abrir caminhos de liberdade e estabelecer pontes de convivência. No fim dos anos 70, Nair podia ser vista nas comemorações do Dia Internacional da Mulher e aos 73 anos continuava a produzir caricaturas. Nair dobrava o mundo, tal qual o fez com o Marechal, que um dia lhe respondeu: “Absolutamente o contrário. Eu levarei a sua caixa de pintura. Farei tudo.”. Nair era uma locomotiva que não se podia estancar.” Sua estratégia era simples e efetiva: várias frentes de luta. Rian faz pensar a ironia da frase de Paul Claudel: “A mulher será sempre o perigo de todos os paraísos.”. Há paraísos infernais que precisam de mulheres, para que sejam alteradas suas características engessadas, preconceituosas, deturpadas, elitistas, … Essa mulher espantosa e exemplar parece esquecida em um mundo de notícias rápidas, memorias curtas e onde empoderamento pode se perder no limite de erotismo e pornografia ou em slogans vazios. Precisamos de mais mulheres no espaço político, artístico, tecnológico, pois isso é mais que salutar. Precisamos de mulheres que mudem os pontos de vista míopes da sociedade, como Nair tentou e conseguiu fazer. O pioneirismo feminino sempre fez o mundo evoluir.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Arthur Schopenhaue, Camila Hildebrand Galetti, Paul Claudel