NUANCES DA FELICIDADE
“Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.” (Thich Nhat Hanh)
Fala-se genericamente em felicidade, mas podemos no mínimo dividi-la sob dois aspectos: a felicidade momentânea, que seria a alegria, e a felicidade eterna, que seria um grande desejo de plenitude constante. Todos almejam a segunda, de cunho atemporal, e se regozijam com a primeira, por momentos memoráveis. Segundo o poeta (Carlos Drummond de Andrade), “ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”. A questão é que, dentro do momento atual, a felicidade foi vinculada ao conceito de posse e propriedade. A felicidade envolve aquilo que você tem ou que sua condição econômica permite demonstrar, para uma competição de quem seria mais feliz. E isso só se agravou com as redes sociais, onde todos seriam felizes, o tempo inteiro, a partir de postagens nem sempre tão representativas da realidade ou da condição emocional verdadeira daquele indivíduo. Aqui, me reporto a Schopenhauer (“A nossa felicidade depende mais do que temos nas nossas cabeças, do que nos nossos bolsos.”), principalmente, quando ele leciona que: “o dinheiro é uma felicidade humana abstrata; por isso aquele que já não é capaz de apreciar a verdadeira felicidade humana, dedica-se completamente a ele”. Ou seja, existe uma transformação ou uma simulação de ganância e/ou futilidade em felicidade. E por não ser felicidade verdadeira existe uma eterna insatisfação no indivíduo com tais valores, cujos resultados são claros e óbvios. Logo me vêm à mente aqueles famosos “trocadores” anuais de carros, iphones, … Felicidade traz satisfação, pois envolve plenitude. Por esse contexto, a felicidade temporal se tornou cada vez mais curta. Da felicidade à insatisfação ou frustração bastam segundos, por vezes. Portanto, não há que se falar em felicidade. Plenitude está bem longe da instabilidade que presenciamos nas pessoas e que, muitas vezes, elas tentam esconder ou negar por meio de suas postagens na era digital. Elbert Hubbard explica que “é bem difícil descobrir o que gera a felicidade; a pobreza e riqueza falharam nisso”. Mas parece bem fácil sabermos se há felicidade, ou não, pelo comportamento real da pessoa, e não por suas postagens e imagens. Sob a ótica da felicidade atemporal, o conceito socrático indicava que ela era o bem da alma e, como tal, só poderia ser alcançada mediante uma vida virtuosa e justa. Dentro da tradição oriental, encontramos a denominada Filosofia da Felicidade, e um dos principais pensadores dentro deste cenário é Confúcio. Seu pensamento tem a felicidade por eixo essencial. Ele, tal qual Sócrates, por seu pensamento, convida o ser humano a praticar a virtude como forma de aperfeiçoamento constante e encontro da felicidade. Essa visão da virtude como alcance da felicidade segue também no ocidente e podemos ver nas palavras de Tolstói (“A alegria de fazer o bem é a única felicidade verdadeira.”) e no ensinamento de Allan Kardec (“A nossa felicidade será naturalmente proporcional em relação à felicidade que fizermos para os outros.”). Dentro da tradição judaico cristã, feliz é o bem-aventurado, mas, aqui, o conceito sofreu uma transformação drástica. Porquanto, no velho Testamento, a felicidade (bem-aventurança) se dá pela prosperidade econômica, com Jesus Cristo e o novo testamento, a bem-aventurança está no Reino de Deus, o qual é destinado aos mansos, aos que sofrem, aos humildes, aos injustiçados, aos que choram, … Para tal comprovação? Basta ler o Sermão da Montanha. Mas como efetivamente sabermos que temos uma vida feliz? Que vivemos na busca da felicidade ou na sua plenitude? “Na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira.” (Johann Goethe) Freud joga isso sob o prisma da individualidade ao dizer que: “A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz.”. Tenho dúvidas, pois entendo que a felicidade envolve uma teia, onde se é feliz quando também se vê o outro feliz. A felicidade individual e descompromissada do outro me parece extremamente egocêntrica e tende a não trazer atemporalidade. Prefiro o entendimento de Georges Bernanos de que “saber encontrar a alegria na alegria dos outros é o segredo da felicidade”. Mas a busca da felicidade plena não pode importar no prejuízo das felicidades momentâneas, aliás lembra Pearl S. Buck que “muitas pessoas perdem as pequenas alegrias enquanto aguardam a grande felicidade”. Portanto, devemos viver os momentos alegres dentro de sua simplicidade, estabilidade e satisfação, mesmo que momentâneos, sem perdermos o foco em uma felicidade plena baseada na boa conduta e na preocupação em uma felicidade coletiva. Assim, a vida não será inútil. “Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente.”(Érico Veríssimo)
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Thich Nhat Hanh, Carlos Drummond de Andrade, Arthur Schopenhauer, Elbert Hubbard, Johann Goethe, Freud, Georges Bernanos, Pearl S. Buck, Érico Veríssimo
Foto: pixabay.com Gino Crescoli
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