Quando se nasce e vive em uma sociedade desenhada pelos modelos judaico-cristão e islâmico, o que primeiro aprendemos a ter é culpa. Freud disse que “é a culpa, e não a fé, que remove montanhas”. Já não se trata aqui de culparmos os outros, mas de nos culparmos por tudo. Às vezes, culpar o outro é meio de tentar fugir da culpa que cremos ser, verdadeiramente, nossa. (“Eis a natureza humana em ação, o culpado culpando todos menos a si mesmo.” – Dale Carnegie) E, muitas vezes, a preocupação com essa culpa envolve mais a visão que possam ter de nós do que nossa própria preocupação com o ato pelo qual nos culpamos. Por isso Kierkegaard diz que “o indivíduo, na sua angústia de não ser culpado, mas de passar por sê-lo, torna-se culpado”. Em regra, a culpa não preocupa somente ao sádico, como explica Freud em “O mal estar da civilização”. O sádico, assim como o mau-caráter, não tem problema com a culpa, pois lhe foge aquela máxima estabelecida por Sêneca, no sentido de que “a principal e mais grave punição para quem cometeu uma culpa está em sentir-se culpado”. O mesmo pensador nos lembra que “o início da salvação é o conhecimento da culpa”. Entendi perfeitamente isso, quando iniciei acompanhamento psicoterapêutico. Na terapia consegui trabalhar as culpas que carregava de forma consciente, mas sobretudo, o mais importante, foi conhecer as culpas que me pesavam e das quais não tinha conhecimento real. Tratar essas últimas foi a fronteira mais desafiadora. Portanto, é mais do que legítima a frase de Forbes no sentido de que “o psicanalista que acredita no inconsciente irresponsável não trata o sintoma e não cura”. Quantas vezes não nos culpamos mesmo tendo agido bem, mas quando os resultados parecem, inicialmente, adversos? Mas na verdade anda bem Voltaire ao declarar que “todo o homem é culpado do bem que não fez”. A culpa não tem relação com a verdade, ela tem relação com o erro ou a suspeita de erro. “A suspeita sempre persegue a consciência culpada; …” (Shakespeare) Consequentemente, entendo a importância da ponderação no decidir, pois as consequências advindas da escolha deverão ser assumidas sem culpa. Arriscar é necessário, arriscar é viver. Há um texto de Kierkegaard brilhante sobre isso, no qual, em determinado trecho, ele diz: “Mas… é preciso correr riscos. Porque o maior azar da vida é não arriscar nada… Só a pessoa que se arrisca é livre… Arriscar-se é perder o pé por algum tempo. Não se arriscar é perder a vida…” Como se arriscar sem culpa? Decidindo de forma consciente e ponderada, medindo os riscos e seus alcances. “Não vamos tentar consertar a culpa do passado vamos aceitar nossa responsabilidade pelo futuro.” (John F. Kennedy) A racionalidade ajuda muito em afastar culpas, mas não podemos ser indiferentes às paixões. Todavia, as paixões precisam de regra, como diz Kerouac: “minha culpa, minha falha, não está nas paixões que tenho, mas na minha falta de controle sobre elas”. Também acredito, profundamente, que, pelas espécies de culpa, trabalhá-las não é tarefa fácil ou amadora. Precisa-se de ajuda! A psicoterapia é fundamental. Realmente creio que todo ser humano deveria vir ao mundo com garantia de terapia em determinados períodos de sua vida. A culpa é destrutiva e pode ter efeitos nefastos para o culpado e para o que ele pode causar a terceiros. “O que é terrível na culpa é que ela atribui ao medo, o maior mal que existe no mundo, um enorme direito.” (Hugo Hofmannsthal)